UM DEDO NA MULTIDÃO

Um homem vai se atirar do sétimo andar de um edifício

em pleno centro de São Paulo.

Não é o primeiro.

Nem será o último.

Afinal nem todos os homens são poetas

que os poetas desafogam na lira os desencantos.

Um homem comum vai jogar as migalhas da vida

aos pombos famintos

que se aglomeram.

O grupo que ensaia capoeira na praça

ao som do berimbau

deixa de ser atração.

Todo mundo quer ver o homem que vai pular

do sétimo andar.

Doida escalada aos prédios vizinhos,

o melhor ângulo,

posições estratégicas...

Quem sabe escapará algum detalhe

nos noticiários de amanhã?

O estafeta liga para a repartição:

"Que venham logo! Pois um homem vai pular do sétimo andar.

E tem até TV!"

Expectativa pesada.

Olhos fincados no sétimo andar.

Uma palavrinha ao companheiro do lado,

um acocorar para prender os cadarços,

uma visita aos sanitários...

Nem cogitar!

Tampouco amendoins e pipocas

antecipam os louros na espera.

Mas agora um dedo na multidão,

entre mil indicadores algozes, eretos,

pressiona os três dígitos

da salvação.

E só depois de uma operação súbita

audaciosa

precisa

remove-se o trágico misantropo

para o interior do prédio

(mas não de si mesmo).

Cortinas cerradas.

Silêncio na praça.

O homem não se jogou do sétimo andar.

E a multidão

se dispersa

melancólica

desapontada

porque a vida continua...

* * *

Premiado com Medalha de Prata no IV Encontro de Artes Biblioteca Adelpha Figueiredo/SP.

Dorival Coutinho da Silva
Enviado por Dorival Coutinho da Silva em 09/08/2008
Reeditado em 27/08/2008
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