SAGA DO REVEL ZUMBI, OU A CONSCIÊNCIA NEGRA

Arrancados às entranhas

d’África, feito aipins, áfricos

lançaram a sua seiva

às vísceras da mãe-terra,

aguando o pólen da raça

e explodindo como pétalas

na aurora da negritude.

Ó África, pátria audaz, resistência na pele,

rebeldia à traficância e ao comércio dos escravos!

Teus filhos não se renderam, perante suor e sangue

e lágrimas e martírios.

Na travessia do Atlântico, meio ao lixão das galés,

a ferrugem das correntes, a rigidez das algemas,

a intempérie às caravelas, língua seca à maresia,

o látego do tirano, nada disto, África, dobrou tua galhardia.

Saga renhida de dor, ‘tour’ de grão sofrimento,

vêm os negros aportar, com doída solidão,

aqui, no vau das Américas, pelos sítios de café,

pés nos eitos de cacau, braços pelos arrozais,

jazidas, canaviais, exangues como a ternura

no peito do capataz, bastardo dos tais sobrados,

os celeiros dos mocambos, gritos de insensatez, mão

de senhores de polainas, mandões de chicote em riste

no lombo da escravidão. Porém, um dia, do chão nordeste

berrou trabuco de um líder: Zumbi dos Palmares fez-se

a vez e a voz dos irmãos, pregou recado com balas,

fez que não à escravidão, fez fogo na escravatura,

topou milícias armadas, antes lição nas senzalas.

Os quilombos engordaram de gente, abrigo dos foragidos.

Mulheres, velhos e crianças armam guerras de guerrilha,

muito antes de Guevara tomar a mesma trilha.

Negros lutam nos engenhos e estâncias,

e pelas fazendas, bravamente, e como os negros lutaram!

Senhores das terras murchos, que nem malícia tocada.

Rugem e rangem seus dentes, leões por setas feridos.

Cambão caiu, correntes partidas, pelourinhos ruídos...

Não mais enxadas a golpear a terra, nem charruas nas raízes, nem

goivas no corte da cana. Negros, agora, no igual, pés

de cidadãos, livres, pilotando a capoeira, ao som dos berimbaus,

nas fuças do capataz e no bumbum dos agregados.

Eia, igual por igual! Assim, a consciência negra, a negritude sã do revel.

Forte, impávida, batava, então consciência negra,

viva, nunca mais escrava, pois Zumbi, no arraial dos Guararapes,

aquartelado lá, fez revolução, revogou voz de mando, decretou as [liberdades

e, libertário, desdisse o senhorio e seu vigário, e venceu a escravidão.

Novembro, justo aos vinte, sem peias feudais, morto Zumbi.

Zumbi vivo, ainda, no coletivo, na memória, aqui e ali.

Homem, negro, herói, um ícone que não foi em vão. (29/10/2008)

Fort., 23/07/2009.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 23/07/2009
Reeditado em 23/07/2009
Código do texto: T1714771
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