O mundo impossível dos meninos

Iremar Marinho

“Ó terra em que nasci e morri,

o seu Mundaú, suas lagoas,

minha mocidade.”

(Jorge de Lima)

Poeta Jorge de Lima,

universal e tão próximo.

Na invenção da infância,

criamos o mesmo mundo

impossível dos meninos.

Nós percorremos a mesma

Cidade da Madalena

(ex-Vila da Imperatriz),

o nosso burgo natal):

Rua da Apertada Hora,

Rua do Jatobazinho;

a Rua da Cachoeira,

a Rua do Virador,

Rua da Matança Velha,

Rua do Boi, do Carvão,

Rego da Guida, Pedreiras,

Rua do Consome Homem.

Sou da Rua do Cangote.

És do Largo da Matriz

(da esquina do Comércio,

olhando a Rua de Cima).

Nós passeamos a esmo

pelos “caminhos que ainda

têm orvalhos e sonâmbulos

bacuraus”, “ninhos suspensos”.

Vagueamos no Cruzeiro

do Século, no Jatobá,

no Sueca, no Bolão,

Tobiba, Terra-Cavada,

lá no Fundo do Surrão,

Brejo do Capim, Muquém,

no Cafuxi, Amolar,

no Caboje, na Jurema,

Várzea Grande, Mão Direita,

Cana Brava, Sapucaia,

no Caípe, no Mocambo,

no Ximenes, no Cajá,

no Riachão, nos Esconsos,

Serra Grande das Canoas,

Serras do Frio, da Laje,

da Barriga (do Quilombo).

Tomamos banho no mesmo

Mundaú, das “lavadeiras

seminuas “, curiosos

de ver aquelas “mocinhas

nuinhas, de pé... com frio...”

Na mesma feira de sábado

(eu me perdi do meu pai),

fostes guia da menina

cega que pedia esmolas.

Na estrada Great Western

(“balduínas sonolentas”),

os meninos de “alma lírica”

aprenderam ver paisagem.

Nossos mundos impossíveis

unem-se pelas lembranças

indeléveis como nódoas

nas almas destes meninos.

Eu te peço por empréstimo

tuas raízes (são nossas)

para deixá-las plantadas

para sempre na União.

Empresta-me teu sublime

Acendedor de Lampiões.

Empresta-me Santa Dica.

Empresta-me Pai João.

Empresta-me Quichimbi.

Empresta-me Janaína.

Tua Mulher Proletária.

Empresta-me Negra Fulô.

Só não tomo por empréstimo

tua grandeza de poeta

universal. Minha dívida

contigo é muito grande.

Dever-te-ei para sempre.