O Velho Pedinte da Estação.
Diga-me velho andarilho,
Barbudo, curvado e experiente,
O que há no caminho que trilho?
O que enxergas no presente?
Quantas terras já cruzaste
Caminhando com tuas sandálias gastas?
Quantas mulheres já amaste?
Nunca desejaste propriedades vastas?
Vítima de castas
Por que hoje perambulas?
O que há na estrada
Que tanto procuras?
Vivendo em condição precária,
Quieto, isolado, maltratado.
Gasta a esmola de forma perdulária,
Ouve os abusos dos outros calado.
Por dentro dos trapos,
Atrás das rugas e barba grisalha,
Está um coração em cacos
Sangrando pelo corte duma navalha.
Vive como mendigo
As paredes da velha estação
Servem como abrigo
Para o frio e chuva de sua solidão.
Entre espirais de fumaça,
Afoga as magoas na taça
De alcoolizantes licores,
Caído no balcão
Na esquina da ilusão
Multiplica suas dores.
Longe de casa,
De amigos e amores,
Distante da época
Em que perdera a sanidade,
Desde então permeias
As veias da marginalidade.
A noite nebulosa
Há muito já caíra,
Segues pela rua tortuosa
Desde sempre, teu mundo não gira.
Mendigas um gole de água,
Um mordiscado de pão,
E a vida não dá trégua,
Arrastas teu cansaço
Por intermináveis léguas.
Foste espectador
De grandes mudanças no país,
Mas não diminuíram tua dor
Nem te deixaram feliz.
Mudanças econômicas,
Sociais e governamentais,
Nem tiveste consciência
Que estavam a acontecer,
Tampouco foste beneficiado!
Junto a muitos, esquecido,
Por uns poucos, lembrado,
Talvez um dia foste querido,
Como loucos são tratados.
E será assim
Até chegar o fim
De tua triste existência,
Quando a morte
Der um pouco de clemência
Levando mais um sobrevivente forte
Do seio da sociedade.
Fui seu ouvinte, lhe dei pão,
Eis aqui o relato
Do velho pedinte da estação.
Hilton Boenos Aires.
27-28 – Outubro – 2010.