SOWETO, SALVADOR, RIO
Não ligue para o que falam
Os amigos de copo.
Deve-se deixar de ser escravo
Mas nunca de ser negro.
Não se deixa de ser negro
Casando com brancos
Ou tendo filhos brancos.
Não se deixa de ser negro
Com uma gorda conta bancária
Ou com um cargo de chefia.
Ser negro não é defeito
É missão. Uma nobre missão.
Fomos nós, os negros
Os alicerces para o progresso do mundo.
Em tua veia, irmão
Correm séculos e séculos
De injuria e escravidão
Tudo isso cantado em nossa cultura.
Cada samba cantado no terreiro
É um pedaço de nossa história.
Existem séculos de lágrimas
No rufar de cada atabaque
Na nota de cada guitarra
De blues ou de reggae
Porque a África é uma só
E é de lá que nós saímos.
E não nos puderam calar
Os mais pobres de espírito
Com pedras no coração
Porque os cadeados
Que nos fechavam a senzala
Não nos fecharam a garganta.
Ainda que nos explodissem o quilombo
Nosso canto ecoava com teimosia
E se espalhava pelas montanhas.
Até hoje, meu querido,
Ainda sem chibatas ou troncos
Os feitores de gravata
Ainda nos querem presos.
Nossas senzalas não são mais vigiadas,
Elas agora tem o nome de favela,
Mocambo, palafita, depende do lugar.
A história oficial não fala dos Malês
Nem que somos os que enchem
Os presídios e reformatórios.
Tudo isso, inclusive, você já sabe.
Você não sabe é do sentimento,
Do orgulho que eu tenho
Pelos meus cabelos duros,
Do escuro da minha pele
E dos meus olhos.
É esse orgulho que deixa de prontidão
O Zumbi, o Gangazumba guerreiro
Que a gente aprende a cultivar
Dentro da gente.
É por essas e outras
Que temos que ocupar espaços
Pra mostrar aos nossos filhos
E aos filhos de todas as raças
Que negro é sinônimo de beleza
Coragem e luta
Nunca de vergonha ou submissão.
Do livro Antologia Poética "PASSA NA PRAÇA QUE A POESIA TE ABRAÇA"
RIOARTE, 1990.