NÃO TENHO LAR

Fui observando seus passos lentos,

roupas em frangalhos,

pés descalços,

cabelos em desalinho,

barba crescida,

cheirando mal.

Vi que parou atento observando,

e num relance catou da lixeira,

algo que me pareceu comida,

restos quem sabe de uma mesa farta,

e se acomodou numa calçada,

longe de olhos indiscretos,

que poderiam julgá-lo um pedinte.

Comeu com mãos sujas a podridão,

rejeitos já cheirando mal,

e parecendo sentir-se alimentado,

notei que tirou dos pertences um livro,

ficando absorto na leitura sem pressa,

até que fechou suas páginas e adormeceu.

Passei tempos depois e notei sua presença,

impassível, como se afastado do mundo,

e as páginas do livro eram dedilhadas sem pressa,

como um leitor atento envolto em possíveis emoções,

Até que curioso perguntei se gostava de ler.

Fitou-me com olhos marejados de lágrimas,

dizendo-se escritor que fazia seus rabiscos,

amando a poesia que escrevia com facilidades,

e as inspirações vinham nas madrugadas,

quando embaixo de pontes ou de viadutos,

encontrava seu teto para neles se abrigar.

Notei que tinha a aparência dos sábios,

diante das palavras ditas com desenvoltura,

e pedindo desculpas pela sua aparência,

disse ser um andarilho em busca de horizontes,

por ter perdido o lar onde tinha a felicidade,

até que num despedir apertou-me as mãos.