Guetos
Aos guetos das elites sobrepõem-se
os guetos dos miseráveis.
Sob o crivo de políticas burguesas,
interpõem-se, sobre homens e natureza,
lucros e apartheids.
Aos guetos da burguesia intercalam-se
não calados guetos de rebeldia.
Enquanto se calam os ricos
e os guetos dos intelectuais,
faltam olhos que publiquem
sobre os guetos marginais.
Há tantos guetos quanto quintais
uns enfáticos, outros sutis
espalhados pelos espaços urbanos-agrários-brasis.
Os números crescem, cada vez mais,
incluindo-se os guetos errantes,
verdadeiros processos (i)migrantes
espalhando outros lugares e diásporas
de homens sonhadores, de faces “mutantes”.
A elite (ociosa ou não) é ciosa
de cultivar hegemonia.
E se vale da cativa mais-valia, social, espacial
para colonizar lugares mentes e, entrementes,
cultivam nos meios populares os pilares
de suas convenientes (amiúde dormentes) ideologias...
A elite é primorosa em programar hierarquias.
Enquanto isso, nascem guetos
em escalas assombrosas
nos centros, periferias.
Proliferam apartheids
expandidos à revelia.
Com traquejos,
se administram os movimentos sociais
sob lampejos de fidalguia
e assistenciosas “bondades” da burguesia.
E guiam-se os passos de cada dia das gentes,
de seus rituais, simulando o bom progresso
onde “todos são iguais”...
Enquanto os “de baixo” e os “do meio”
se empobrecem, mais se esteiam divisões espaciais.
Se estruturam, nas cidades, infra-estruturas
diferenciais: aos pobres faltam “fixos”
e “fluxos” até os mais banais.
Aos ricos sobram luxos,
que se acumulam cada vez mais.
Se expandem, assim, as desigualdades
e guetos das classes sociais
e se vêem disparidades
de enredos abissais...
Se alimentam paisagens de guetos num mundo de redes
e muros sociais, sob tecnologias e divisões de ritmo veloz,
onde vivemos perdidos, fragmentados, em eternas cisões,
ricos e pobres divididos,
em luta selvagem, feroz.
Juntos, na mesma cidade,
marcadas por descontinuidades,
mundos se destacam,
se atacam, se atracam.
E assim se fomentam os territórios de todos nós
vivendo em lugares próximos,
mas separados em vidas tão sós...,
uma vez que nas corridas vidas urbanas
todos se atolam no lodo,
na guerra por existência,
de todos contra todos...
O progresso material é, para o povo,
deveras abstrato, formal,
cujos fundamentos concretos (da economia)
são pró-bem-da-burguesia,
cujos projetos ardis
ostentam conspectos de coisa moderna.
Porém, o que temos são quadros
socialmente senis (conservadores) em tela.
Os guetos são a imagem de cidades e espaços-brasis
estampando, em seus perfis, paisagens de apartheids,
dos contrastes e retratos de cidades doentias...
(Poema extraído do Livro: "Geografia em poesias: tempos, espaços, pensamentos - Luiz Carlos Flávio).