MIGRANTE BUSCADOR
Os limiares e fronteiras
de Estados e Nações
atraem e repelem
fileiras de multidões.
A economia capitalista,
explícita ou sorrateira,
envolve, desterritorializa,
põe em fila todo dia,
em vilas, cidades, campos, sertões
populações que se aliciam
migrantes em procissão
se tecendo provisão
para o mundo social
em que trabalho e capital
vivem plena mutação...
As riquezas espacializadas,
em regra, mal repartidas
interferem e dão razões
aos fluxos, movimentos
ou correntes de populações.
Pobrezas e oportunidades,
riquezas, ocasiões
atraem, acrescem, induzem,
expelem, repelem, reduzem
presenças de multidões.
Imagens, linguagens, paisagens
seduzem imaginações,
percepções, esperanças
que agenciam fileiras humanas
à caça do eldorado
cujo dado traz promessas
da existência de outro fado, outro lado
de enorme guarnição
de riqueza açodada
a ser dada para o agrado
de pobres populações...
A sobrevivência é vento forte
que guia, alicia, dá norte
às correntes por sonho e pão
transformando, reformando,
deformando espaços e vidas
de Marias, Josés, Margaridas, Joões.
Às cobiças da cidade:
beleza, urbanidade, caridade,
justiça, liberdade, fruição
se somam outras notícias e arguições:
brutalidade, marginalidade, morbidade,
desemprego, exclusões.
Todas arrastam, concentram, deferem
ou expelem aglomerações.
Fatalidades naturais,
planejamentos sociais,
instalados, desinstalados,
alteram lugares, paisagens
à medida que os movimentos,
minguando ou vincando explosão,
entram, saem aos borbotões
trazendo levando consigo
coisas, dinheiro, abrigos,
idéias e populações...
Atraídos, compelidos,
repelidos aos milhares
nas ocupações dos lugares,
os migrantes são homens errantes,
tecendo-se ao (des)encanto
de eternos sujeitos buscantes
daquilo que ainda não são
mas insistem em vir a ser.
Traídos ou não por seus sonhos,
os migrantes são atraídos
por outras formas de viver...
Desse jeito é que se movem
por diversos territórios
num infinito processo
de urdido ir e vir
de progressos e regressos
do re-des-fazer, re-des-viver
espaços-tempos que nunca cessam:
se renovam, se aquecem,
se congelam, se esquecem,
desaparecem...
Nos vãos e desvãos dessa estrada
se vêm amiúde transmudadas
as formas-conteúdos que invadem
o espaço do ser migrante:
seu corpo, seus olhos, seus braços,
seu bolso, sua mente, sua alma
tudo é mudança que avança, se espalma.
Tudo nele, dele, para ele
se (trans)forma, se reforma,
se deforma, se (des)arma e ganha tento
pondo o mundo em movimento.
Como vida de criança emprenhada de mudança,
o migrante se faz criador, caçador, mudador
de um tempo-espaço nada liso
que abraça sorriso e dor..
A natureza migrante, assim,
dele faz um alado lutador,
ainda que um tanto pareça
um sonhador desvairado sem fim
que vive medindo forças
com ilusão e desengano
os quais amiúde invadem e troçam
de seus sonhos, desejos e planos.
Portanto, o migrante buscador
avista e abraça fracassos e conquistas
como um bravo navegador
que invade o paraíso
em um mundo hibridizado
de bonança, sorriso e esplendor
misturados aos enguiços
do fracasso, da desgraça e da dor...
(Luiz Carlos Flávio)