Menino da ladeira

Lá ia o menino pela ladeira abaixo,

Roupinha maltrapilha, velha, costurada à mão, bem limpinha.

Pés quase descalços, num chinelo de dedos, com os dedos quase no chão.

Chinelo de correias diferentes, não por moda,

Pregado a arame.

Caderno nas mãos e barriga nas costas,

Lá ia ele, todos os dias, cedinho,

Estudar, não sabia nem pra que.

Expectativas de vida não tinha nenhuma,

Enxergava-se no máximo com 18 anos tendo finalizando o 9º ano

Depois, fim, a morte.

E pronto, nada mais que isso.

Não sabia mais nada do mundo, não conhecia nada além daquela ladeira,

Da escola sem propósito, das brincadeiras e da fé dos pais.

A vida, dizia ele, era boa porque

Levantava, descia a ladeira pra ir pra escola aprender um monte de coisas.

[Descobrira na leitura um universo diferente do seu]

Tomava a merenda, que comida em casa era escassa,

No almoço ainda ia na ‘sopinha’ comer

Ainda comia em casa, só pra completar a barriga cheia.

Depois, brincar, correr, pular, subir em árvores e muros era sua diversão.

Esse era seu mundo, sua ladeira da vida, pequenininha que só ela.

Mal sabia aquele menino que o mundo é um monstro grandão

Inocência, simplicidade e ignorância combinadas,

Escondem de nós a realidade de nossas tragédias de tal modo que,

Somente quando saímos delas é que percebemos que um dia elas existiram.

Marta Almeida: 13/06/2016