Rounds e rendas

Eu vi a desistência de vários

Ouvi cofres, gavetas, salários

E a ignorância que era uma dádiva

Dá devagar a voz ao necessário

Funcionário sem empresa e contrato

Como que pensa em buscar sindicato?

Como compensa a mistura no prato?

E o patrão na ganância morrendo engasgado

Motivos de sobra pra jogar a toalha

Motivos que dobram o peso da falha

Mas se desistir, pendurar suas luvas

Aposenta de vez essa luta diária

Rotina que cobra, que mata

Cidade de homens de lata

Vaselina que não estanca o sangue

Lembrando: “Não apanhe antes que cê bata”

Quantos Robson Conceição

Acordam as 4, pegam lotação

Esquivam, batem, apanham, ganham

E a medalha não é nem de latão

Mais um assalto no ringue

Nenhum pouco motivado

Mais um assalto nas ruas

Que podia ser evitado

Jab, cruzado, contagem até 10

Job afastado, cuide de seus pés

Bilhete sem saldo transporte ta caro

Jornada e trabalho de azar ou revés

Surreal igual David Lynch

Apanha sozinho se prende no clinch

Luva pendurada mão já calejada

Floyd Mayweather sem nenhum requinte

Um dia frio um bom lugar pra ter um oficio

Mas aguentar todos os rounds ta difícil

É que a conta que não fecha no fim do mês

Tira de um bolso que não tem benefício

E o bom é que esse vale tudo não vale nada

O boxe diz tudo na metáfora e no trauma

Nocautes que derrubam sua alma

Nem sempre o gongo te salva