O HOMEM QUE MORREU DE SAUDADE
Manoel, trabalhador,
Nascido em Garanhuns,
foi um homem de valor
que de sua família cuidava
com grande carinho e amor.
Sendo sempre agricultor,
Manoel não desistia
de voar como condor
que investia no labor
da rocinha que ele tinha
pra comida pôr em dia
no sustento da família.
Era assim que, no nordeste,
Manoel agricultor,
um arretado cabra da peste
demonstrava seu valor.
E se a roça pouco dava
ou o tempo fracassava,
Manoel, então, trabalhava
na empreitada que encontrava
sem orgulho ou pudor.
Seguindo esse talante,
foi tropeiro-comerciante
daqueles que seguem adiante
sob chuva, frio ou calor
vendendo farinha, mandioca,
tapioca, rapadura
e outras mercadorias
em que pouco se apura,
com ganhos de baixo valor.
A vida, portanto, era dura,
daquelas cuja arquitetura
Manoel, com sua família,
no couro, dia a dia provou
todo o pão que o diabo, zangado
com os pés e o rabo amassou...
Mas um tempo ainda mais duro
que jogaria contra o muro
Manoel e sua família,
um dia se lhe acenou.
Nesse tempo cruciante,
o tropeiro-comerciante,
assim como o lavrador,
já não ganhava o bastante
para alimentar bem todo dia
toda a gente da família.
Face à fome e à carestia
que surrava, apertava
o sustento da família,
nessa encruzilhada danada
que lhe apertada a vida
Manoel não teve saída:
do nordeste fez partida.
Coração amargando em fel,
Manoel, com sua família,
sua terra assim deixou.
E foi tentar, em outras batidas,
buscar o sonho de uma vida
em que a mesa fosse sortida
e a lida tivesse valor.
Mudando sua geografia
Manoel e sua família
seguiram rumo a São Paulo,
pro interior do estado.
Em situação que dava dó,
por sua terra ter deixado,
Manoel e sua família
então se viram fixados
lá pros lados de Regente Feijó!
Manoel, homem arretado
que não fugia do labor
arrendou ali uma terra
e por anos sustentou
a família que tanto amou.
Mas vivia contrariado
muito triste injuriado
por ter se desterritorializado
de seu nordeste amado.
Numa tristeza infinita
um dia, já bem cansado,
sua família se viu aflita:
Manoel foi encontrado
com o corpo estirado
nas entranhas do roçado...
No velório, desolado,
quando era perguntado
de que o pai tinha morrido,
o seu filho, Fernando,
a todos ia falando:
nosso pai foi abatido
por uma doença danada:
que é viver contrariado,
numa vida desgraçada
onde tudo nos é tirado...
Falando bem a verdade,
ele morreu foi de saudade
da sua geografia...
Esse arretado cabra da peste,
ele morreu por nós ter deixado,
naquele dia, o nosso nordeste!...
(Luiz Carlos Flávio)