Capitalismo doméstico

A empregada, de quem sou patrão,
pessoa humilde, mora na favela.
Pergunte se eu tenho pena dela?
Algumas vezes sim e outras não.

A empregada, de quem sou patrão,
por muito pouco já não passou fome.
Às vezes eu esqueço do seu nome,
às vezes eu lhe esqueço a condução.

A empregada, de quem sou patrão,
sente vergonha de sentar-se à mesa.
Às vezes eu lhe dou a sobremesa,
às vezes não lhe dou muita atenção.

A empregada, de quem sou patrão,
chama de seu doutor meus convidados
e os coloca sob os seus cuidados,
sem receber por isso um só tostão.

Ontem, ao discuti com meu patrão,
chamei-o de vilão capitalista,
pois o vi demitir o motorista,
por não querer parar na contra-mão.

Hoje, ao demitir minha emprega,
ela lavou a louça, a calçada...

e, com a voz ainda embargada,

beijou suavemente a minha mão.
 

Herculano Alencar
Enviado por Herculano Alencar em 30/06/2017
Reeditado em 27/04/2024
Código do texto: T6042283
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