TORTURAS NA PAZ

Sem metáforas,

sem rimas,

estrofes,

métricas ou

musas...

utópicas,

eróticas ou

neuróticas.

A minha poesia

transcende ao

normal

a tudo que seja

natural.

A minha poesia

é um relatório

do cotidiano;

um delatório

de tudo que seja

desumano.

Desço ao cárcere

em busca de uma

lembrança qualquer

e por mais que

seja dolorosa

eu possa relatar

e

delatar.

Encontro-a

em uma cela...

úmida, imunda,

asquerosa e

mal cheirosa.

Vejo a figura

de Pilatos,

nas pessoas dos

meritíssimos,

que condenam mulheres e

alcunham-nas de meretrizes,

que antes de

serem mães

são filhas;

homens comuns,

que são filhos e pais

alcunhados de marginais;

pais, mães e filhos

vítimas da incompetência

em assuntos sociais;

eis que ouço no calabouço:

“Crápulas! Hipócritas!

- PAREM -

Esta crianca,

já não suporta mais

a tanta crueldade”.

Gritavam os detentos

prisioneiros tidos como perigosos,

obrigados que estavam

em presenciar na cela vizinha,

a mais esta covardia.

Mas os alienados

em alaridos prosseguiam;

prosseguiam na sua tarefa...

aviltante,

repugnante e

revoltante.

Inquiriam

e

batiam.

Davam bolos nas mãos,

bofetadas na face,

pancadas no baixo ventre;

nem os pequenos seios

livraram-se da selvageria.

Mas, os bestas feras

na ânsia do dever cumprido,

só não entendiam o porquê

daquele fiosinho de sangue,

que teimava em escorrer

pelas pernas da

pequena Eugênia.

E continuavam...

Inquirindo,

sorrindo e

batendo.

Não atinavam

os brutamontes que

naquele momento,

a sua pequena vítima

estava em pleno processo;

processo que busca a

transformação;

a transformação física,

psíquica e

acima de tudo

a transformação fisiológica.

No entanto,

este fenômeno

pouco importava

aos fascínoras;

o essencial era saber

das jóias roubadas;

lhe furtando com isso,

a mais valiosa das jóias:

o direito de uma vida normal;

lhe retirando com isso,

o direito da reciprocidade...

no amor, no carinho e

na dedicação.

Mas, os bestas feras

na ânsia do dever cumprido,

só não entendiam o porquê

daquele fiosinho de sangue,

que teimava em escorrer

pelas pernas da

pequena Eugênia.

Eugênia! Ó Eugênia!

Onde e como estás?

Em que viaduto ou

arbusto tu t’escondes?

Por que acordastes

em pleno alvorecer?

Que crime cometestes

para que o teu sono

fosse tão estúpido e

bruscamente interrompido?

E os teus sonhos?

O que fizeram dos

teus sonhos de

meninha moça?

Ainda os tens?

Três anos já se passaram

e com eles a tua

fase de bobice.

Hoje compreendes melhor

o porquê da tensão,

o motivo da depressão,

a causa das cólicas

até o choro involuntário.

Hoje compreendes melhor e

o suficiente para gritar

aos bestas feras o porquê

daquele fiosinho de sangue,

que teimava em escorrer

pelas tuas pernas

não era outra senão,

a tua menstruação.

A tua menstruação,

violentamente estourada.

Ataliba Campos Lima

8 a 27/03/94

Apoio Cultural www.jornalnovafronteira.com.br

Ataliba
Enviado por Ataliba em 27/08/2007
Reeditado em 24/11/2007
Código do texto: T626232