O Espelho

Não muito distante

ouço o chorar persistente

de uma criança.

Interrompo o que faço para tossir.

Não, muito longe ouço latidos

insistentes de cães...

sem dono.

Impacientemente volto a tossir.

De repente,

o som da sirene policial,

ouço estampidos,

o corre correr natural

e novamente o silêncio.

Um silêncio sepulcral.

Novamente volto a tossir.

E nesta sinfonia inebriante

a minha insônia

torna-se enervante.

Tremulamente,

bebo mais um café,

e novamente

acendo outro cigarro;

antes da primeira tragada,

a tosse.

Tossindo e fumando

continuo madrugada adentro

buscando inspiração

para os meus versos.

A criança continua chorando,

os cães latindo,

o corre corre;

e eu aqui fumando.

Fumando e tossindo...

vejo o dia amanhecer,

a musa não aparecer

e o sono não acontecer.

E prossigo,

entre um e outro cigarro...

um pigarro.

Entre um e outro pigarro...

um escarro.

E nesta sucessão de cigarros...

pigarros... e escarros...

É que trago no peito

um pulmão tragado,

um pulmão fumado;

estragado pelo sádico prazer

de não aceitar ou querer,

de não ver ou sentir

o inconveniente que sou.

Ataliba Campos Lima

15/09 à 10/10/1994

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Ataliba
Enviado por Ataliba em 06/09/2007
Reeditado em 24/11/2007
Código do texto: T641273