João e Maria

Soam batidas de palmas lá fora;

por um momento interrompo

meus afazeres(???) e vou atender,

talvez seja um carteiro

ou um mensageiro,

trazendo-me um cartão natalino

ou uma cobrança qualquer,

lembrando-me de confraternização

ou coisa que o valha.

O engano não foi tão fiel

e sim cruel

porque não tratava do carteiro

uniformizado.

Tão pouco do mensageiro

informatizado.

E sim do próprio cartão;

não era um cartão simples

ou registrado,

envelopado ou selado;

não trazia em si o nome ou

endereço do destinatário;

muito menos o seu remetente.

Era sim um cartão personificado.

Tratava de uma criança;

Suja, descamisada, descalça, despenteada;

um único trapo cobria

o seu corpo magro;

apesar do aspecto,

trazia um sorriso aberto,

sem se incomodar com os dentes

já estragados.

Um sorriso que evidenciava

a sua inocência.

Realmente porque iria esta criança

sentir-se incomodada

com os dentes estragados,

com a falta da camisa, sapato ou

um simples pente?

Se lhe faltava a sagrada instituição

chamada família?

Mas, afinal...

o que desejava esta criança?

Por um instante

pensei que ela fosse reivindicar:

“Moço, interceda pelos meus direitos” ou

“Tio, eu estou abandonado, careço de proteção”, ou

“Velho, preciso de um João, de preferência honesto,

que venha chamá-lo de pai”, ou ainda:

“Coroa, eu necessito de uma bendita mãe,

de preferência Maria, que venha cuidar de mim”.

Porém quando me aproximei daquele

alicerce fragilizado do nosso futuro

ela foi pedindo:

“Moço me dá um copo d’água”.

E com o remorso do culpado, voltei

e fui buscar o bendito copo d’água,

após beber, continuou sorrindo,

foi saindo e desapareceu.

Ataliba Campos Lima

13/12/1993

Apoio Cultural www.jornalnovafronteira.com.br

Ataliba
Enviado por Ataliba em 19/09/2007
Reeditado em 24/11/2007
Código do texto: T659505