do que me engasga
no meio-fio, ao meio-dia
não sei se sorrio à virgem maria
não sou desejável com minha mochila
não sou desejável aos vizinhos em minha vila
sob duas rodas, vermelha monark
sinto-me sob constante ataque
mas eu sou é do contra-ataque sutil
eu não rimo bonito
nem sobre sobral, nem sobre o brasil
nas ruas, observo e sou vigiada
nas ruas, julgando e sendo julgada
o sol que queima minha pele
também queima minha alma
um dia me vi sem meu peso
sem a mochila velha que carrego o mundo
descompasso em cada segundo
nasci aos catorze dias de junho
sob buzinas de um trem imundo
sob pedradas que quase me matam
aquelas que subjetivamente matam
as ruas, também os guetos me trouxeram
perdidos ou não, a mim vieram
poemas de muros que levam
a tantos outros mundos distantes
gritos que não são mudos mas ecoantes
o som dos tumultos nos trânsitos
pessoas zumbis que vivem em transe
eu sei dos caminhos diários de tantos
e eu sei das mães pretas, o pranto
a gente só sonha que um dia vai dar certo
andando de frente e nunca de ré
nasci nas quebradas e bote fé
nunca nos olham nos olhos de perto
descaso de cada um aqui presente
que pôs-se a rir da esmola ao pedinte
não era a cidade que transborda nas telas
e pintam sobral com arco, em aquarela
querendo ser resistência
mas na esquina, quem me protege?
não sei a quem temo
se quem foi eleito ou quem o elege
escrevo poesia em cortes
rimando sempre um
passo a frente da morte
Escrevendo sob pressão
quanto
mais depressa,
depressão
Na pátria armada, Brasil
falo sobre viver diariamente
no free fire da vida real, como diz Leandrin
aprendi a recuar um ou dois passos
pra avançar dez mil a mil por hora, sempre a frente
não quero rima carregada,
mas é o peso que carrego nas costas
e a cada dez, abafo um grito
minhas rimas pobres,
porque meu salário não custeia
nem meu primeiro verso
e no CIStema perverso
perdi a cabeça: “mais gentileza! voz branda! cala a boca! seja fino!”
Lembrei da poesia de Marcelino
A PAZ ESTÁ PROIBIDA
Eu não sou da paz, não sou mesmo não, não sou.
Não visto camiseta nenhuma NÃO Senhor.
Não solto pomba nenhuma NÃO Senhor.
A paz é branca, toda certinha tadinha.
À paz que mora no seu tanque
e que existe para…
há!
tirar minha paz, digo
não sou adestrada, silenciosa, pacÍfica
ouça…
com atenção ouça…
[pausa]
o silêncio te frustra?
é porque lugar de escuta assusta
mas eu sou muralha, fortaleza, viçosa, cariri, sobral
eu vim de longe, vim de lá pequenininha
aprendi a construir o novo em recortes de livros amassados me dados no fundamental
e vi que fundamental mesmo, são nossas bases,
os nossos e nossos corres,
que no final ninguém socorre e é só corre!
não sou médio, superior, mas sou fundamental para alimentar as cadeias (não as públicas), nem de mão-de-obra barata, mas as cadeias produtivas de circuitos culturais,
aquele vetin ocioso, da esquina,
hoje PRODUZ sua batalha de MC!
E quando disse em certa poesia
que da periferia surgem potências,
CUIDADO! Matamos o Estado das bases.
Criamos as nossas educações
na construção de mundos em que considerem a nossa existência.
AÍ ESTÁ NOSSA RESISTÊNCIA!
CUIDADO! Levamos o Estado à falência múltipla de todos os órgãos.
PROSSEGUIMOS!
recriando o vital
matando a moral
rap de beco a beco fatal
dentro de mim, tem guerras internas
erguendo a cabeça quando quero cair
cambaleando, quebrando, mas não vou partir
e rindo com os meus, recitar e ser re-citada
re-criar, e ser re-criada,
re-tocar, e ser re-tocada,
equilibrando a revolta, revolução,
com a não naturalização dos baques que a vida dá
é trabalho, estudo, produção, peito pulsa, o coração,
amor, amantes, rolês, irmãos, família, armário, emoção, ansiedade, tristeza, negação, raiva, alegria, de vez em quando
fazendo tudo ao mesmo tempo,
e sem tempo pra pensar
só de estar viva
sou a utopia dos ancestrais
a se concretizar
com essas palavras eu dou meu adeus
pedindo a Oxum, sete-peles ou javé
que olhe com cuidado pros filhos pretos teus
a gente é divino e quem é tu pra dizer que a gente não é?
então, salve!
eu sou antiga poesia
então, salve!
nós somos correria
aos meus, aos nossos
que venha a nós, o nosso reino
wakanda, palmares, pra sempre,
EM TODOS OS GUETOS!