Brasileiro (-)
Era uma vez um garoto, que virou adulto
Seu apelido era Brasileiro, seu nome, desconhecido
Um negro, nascido no choro e morto na condição, no Triângulo Mineiro
Seus pais morreram mais cedo do que ele previa
E não demorou demais para ele se virar sozinho
Um homem íntegro, forte e bravo, Brasileiro era escravo
Apanhava como um animal, se matava no trabalho braçal
Foi estuprado por um grupo da classe média
Já não bastasse o sofrimento, aquilo o deixou envergonhado
Constantemente humilhado, e tendo que trabalhar como ninguém
As lágrimas ficavam dentro dele, o sangue, fora.
Não havia com quem compartilhar seu sofrimento
Sozinho, viveu e sobreviveu e viu o ódio crescer na sua pessoa
Tomou raiva dos brancos que o escravizaram e o maltrataram
Decretaram que o regime ao qual vivia havia sido abolido
Ele bateu palmas, mas suas mãos não ficaram sem algemas
Antes seu trabalho era explorado, agora nem trabalho tem
Muitos continuam zombando da cara do Brasileiro
Perdeu as feridas do patrão, mas carregou as feridas da fome
Arranjou uma mulher, que era negra também
Com ela teve filhos e teve uma família que seria refém
Reféns de um sistema que os tratavam como subumanos
Os filhos do Brasileiro, eram discriminados na escola
Voltavam chorando, pois não queriam mais ganhar apelidos
Quando os garotos perdiam a paciência partiam para a luta
A escola punia-os, mas punição nunca fora novidade
Foram punidos, na verdade, desde o dia que nasceram
Nascer daquela cor era a maior punição que havia para um ser
Brasileiro se lamentava com o choro de raiva de seus filhos
Desempregado, faminto, desonrado, raivoso e culpado
Entrou para o mercado negro, vender produtos falsificados
O Brasil abandonou o Brasileiro, e na mesma moeda
Brasileiro abandonou o Estado, a rivalidade se fortaleceu
Vendendo algumas mercadorias, baixou a polícia e acabou com o negócio
Brasileiro sofreu como ninguém, aquele negro sofre na vida
E viveu bastante...
Hoje, Brasileiro tem cerca de quinhentos anos, e as mãos cansadas de trabalhar
Seus filhos estão na universidade federal, inventaram uma tal de cotas
Classe Média em seus pitacos inconscientes, diz que não é justo as cotas
Se o Brasil fosse justo, Brasileiro não seria brasileiro
Se o Brasil fosse justo, Brasileiro comia o que o brasileiro branco come
Se o Brasil fosse justo, Brasileiro teria chances como todos os outros
Mas a questão é que o mundo é injusto,
Colocam a algema em alguém, e esquecem de tirar
Dão chicotadas em alguém e não param mais de dar
Brasileiro, agüenta, um dia tudo há de passar!
Você sempre tolerou, não é agora que vai desistir!
Brasileiro, meu homem trabalhador, você viveu quinhentos anos e vai viver ainda muito mais, está velho, continua sem estudo, mas tem forças que ninguém demonstrou ter... Teus filhos serão mais bem-sucedidos, e todo seu esforço valerá a pena, se Deus quiser, tudo vai valer a pena!