Câmara mortuária
Meu corpo é negro como a terra sagrada que circunda o delta do Nilo,
fértil e úmido como as margens dos rios,
sempre pronto a gerar
– suntuoso Kemet!
Nele cai o orvalho,
cresce a relva,
semeia-se o trigo
e se desenvolvem apetitosas melancias de polpa açucarada.
Nele se processam as cheias,
ressurge Rá,
germina o grão
e são cultivados extensos jardins de papiro.
Adornam-no joias de valor inestimável oriundas da Núbia,
bronzeiam-no os vapores que emergem do solo de Assuã.
Íbis graciosos retiram dele o alimento para seu sustento.
Contudo,
tal como o rio-deus,
meu corpo se bifurca em dúbio curso
e é também vermelho como a terra árida apartada do Nilo,
infértil e seco como a mansão de Set,
envolto por pulsões de morte
– suntuoso Desheret!
Nele nada germina,
exceto melancias forrageiras.
Nele perderam-se reis e rainhas de trinta dinastias.
Nele guerreiam, dia após dia, vida e morte
em insones noites em que Apep tenta a todo custo devorar-me.
Suntuoso colosso
que pelos séculos dos séculos,
sob o signo de um infernal deserto,
erguido em forma piramidal,
guarda majestades faraônicas.