Vou me matar no meio da dança

vou me matar no meio da dança.

sim,

no meio de um baile de máscaras,

uma delas irá ao chão.

no meio

da celebração

eu vou ver meu sangue pisado

por sapatos de salto alto

e vestidos de algodão.

ele me verá de longe,

sua figura sombria e longa,

vou querer ir embora logo,

ele pega meu braço

eu minto: não ligo

vai me perguntar se eu concedo a honra da dança,

aquele homem que eu não quero

e eu vou aceitar,

só pelo prazer de rodopiar até o canto do salão

onde a iluminação pouco alcança,

e pra só ele assistir ao espetáculo

de ver meu compasso ir diminuindo

com a melodia da contração

e eu parar meu coração

e ver os corpos sumindo,

e os contornos descontinuarem

e tudo ir se misturando

como morte e vida dançando salsa.

e é aqui que eu interrompo minha valsa

e meus movimentos compulsórios,

todos que dei até aqui,

(e que até aqui, foram todos)

e deflagro meu último passo,

que acaba sendo um passo em falso,

e agora eu era um espaço que se abriu entre um corpo e o outro,

um intervalo de morte inútil entre uma vida e a outra,

um trecho de sobriedade

que se abriu sabiamente

entre uma embriaguez de vida

e a outra

igualmente perdida

e foi assim que eu

me matei no meio da dança

então todos os outros

sapatearam sobre meu sangue

e riam do meu ato insensível

de baixo nível e insensato

porque havia música.