O último olhar

Empunharei minha arma e seguirei

Para o fronte que me espera.

Tentarei ocupar minha mente para não pensar no pior.

Tentarei atirar no que mover-se diante a mim

Tentarei acertar...

Tentarei não morrer.

Recebi uma carta ontem, não sei quando a resposta enviarei

Espero que breve.

Espero que não recebam um telegrama das mãos

De um militar fardado.

Espero poder escrevê-la.

Talvez amanhã de manhã.

Minha arma estava suja. Magdalena!

Mas junto com a carta e a ração enviaram munição

E kits de limpeza de armas junto dos de higiene.

Perdi um dos meus pentes,

Mas peguei emprestado o de um soldado

Que voltou morto, enrolado na manta.

Estou todo ferido...

Nossos inimígos nos dão trégua, menos os mosquitos.

Vinheram camisinhas, mas de nada servem...

Só para taparmos os canos das armas

Quando passamos por um rio em patrulha.

Minha escala é amanhã.

Talvez amanhã eu morra.

Mas acho que já terei escrito a carta

Pedirei para alguém enviá-la

Não quero morrer!

Que merda de escolha eu fiz!?!?!

Por que eu vim pra cá?

“Tudo pela pátria...”

Foda-se a pátria! E nós aqui...?!

Lutando por ideologias políticas, por liberdade...

Se morte for libertação eu já salvei uns trinta!

E prefiro ficar assim, como um condenado

Nesse buraco podre e nogento.

Droga! Eu vi algo se mexendo!

Destravar..., puxar..., mirar...

Meu D'us! São tantos... De onde eles vêm???

Proteger o flanco esquerdo, proteger o flanco...

- Médico!!! Médico!!!

Meu D'us!

“ Passaram um rádio, a artilharia já vem.”

Eu só tenho que abaixar-me nessa porcaria e esperar...

O cheiro é forte. O barro, a urina, o sangue, as fezes...

Ainda não vomitei, mas tive ânsia.

Posso sentir o impacto da artilharia daqui.

É como se D'us pisasse no chão.

Meu companheiro foi ferido, o médico e outro levaram-no

Estou só aqui nesse buraco. Estou com sede...

droga! Esqueci meu bornal e o cantil

Só trouxe munição, granadas e minha faca.

Botei a foto que recebi nesta recente carta no meu capacete.

Obrigado pelos cigarros!

Esqueci o esqueiro. Mas que hora!

Eles não param, correm mesmo com artilharia atuando.

Meu dedo está inchando...

Adoro esse cheiro de pólvora.

Não sei se estou acertando-os, estou atirado...

Preciso correr!

Posso ouvir as balas zunindo ao passarem por mim.

Será muita sorte se não me acertarem.

Às árvores... tenho que ir pra trás delas.

Todos estão gritando, não posso ouví-los, as explosões abafam o som.

Até agora ví tres mortos.

Espero poder escrever a carta...

Acertaram-me! Não! Agora não, merda!

Tenho de escrever... Não tenho folha, onde?

O maço de cigarro, o interior, rasgá-lo-ei e lá escreverei.

“ Mãe, Pai, amo vocês. Joseph, cuide deles por mim.

Val, perdoe-me por morrer, Também te amo. Adeus”

Ele olhou pra mim e atirou.

Luis Carlos Wolfgang
Enviado por Luis Carlos Wolfgang em 20/02/2007
Código do texto: T387106