Lorosae
L O R O S A E
.
. Prá Montanha
.
[04:35]
No mostrador partido
de um relógio.
Um pensamento,
um querer de vida
e de seguir prá montanha.
Um trago de água tão escassa
a engasgar a garganta ofegante.
As mãos avaliam feridas sujas
nos pés descalços.
De novo em marcha,
e, à cautela, às cegas,
o esbracejar a diante.
Passo a passo, mancando,
o seguir prá montanha.
Num dado momento,
estacar pelo inesperado
de roçar num trapo e,
na dúvida, tactear em volta.
O sentir de pele, pela pele,
...outra, mas delicada,
febril e trémula.
Um gemido de criança
solta-se da míngua de corpo
tomado nos braços.
- "Vamos prá montanha!",
murmura o querer
idóneo e libertário.
- "Mãe!"-, faz-se lamuria
um fio de voz infantil;
treme, ali, compulsivo
o sentir de abandono.
Uma luminescência
recorta no breu
a silhueta de montes
enquanto a vontade
marca o compasso
daquela marcha
penosa e insana.
Um carreiro que sobe
prá montanha e
dois tempos, duas almas,
como as duas sílabas de Timor.
Um Sol emergente do horizonte
como uma esperança que inspira
a cadência da passada
e o ecoar... LORO SAE!
.
Lu_M
. Lorosae
.
-1-
O mutismo
estupefacto de uma dor
tem tudo a ver
com os passos lentos
desta gente
com os dedos hirtos
em mãos abertas
em punhos crispados
de uma náusea justa.
...Tudo a ver
com asas de resgatar
um futuro.
...Tudo a ver
com a voz silente
na triste ironia
do tanto gritado
por dentro da gente.
...Tudo a ver
com o gesto incontido
e o irmanar na busca
do que é o direito
solto de sorrir
e acreditar.
.
-2-
Insinua-se por aqui...
último ou primeiro,
neófito ou ancestral,
repetido o verso
como um facto,
e o verbo, como fado,
ou só a ideia mansa
em dádiva de madrugadas
brancas e despertas
por Lorosae.
Abrigam-se no olhar
chamas pequeninas,
filhas ou enteadas,
almas irmanadas
na liberdade.
Murmuram-se preces,
desideratos ardentes
arrebanhados aqui
no mesmo fogo.
Reluzem no rosto
lágrimas autenticas
escorrem por um só mar
ou só mas sempre
o verso a ecoar
o tanto que urge:
Meu Lorosae.
.
-3-
Pois que se saiba
que o sussurro da dor
agigantou-se, é um grito
e arvora-se já em trovão.
O cárcere sangra
com o nome de uma chaga
com a realidade
purulenta da perfídia;
transpiram macabros
os muros da injúria;
as armas da cobardia
exalam a ranço mesquinho
e a crueldade
em pé de guerra;
Encarcerado, aquele povo
e com ele, como ele
a minha alma;
uma cólera asfixiante
debate-se na penumbra
flanqueada pelo ódio.
Sufoca-se na náusea
e daí se entende o silêncio
e o entorpecer da razão
face à ofensa torpe.
.
-4-
Sei de um recém-nascido
recém-massacrado
sei de almas inocentes
que chamam pela morte
um futuro sem memória
sei dos que clamam
pela demência de esquecer
sei do absurdo da razão
sei de olhos
que já não sabem
já não podem mais chorar...
E se tudo isto existe
é de se querer a vida;
se o olhar desbotado
se esconde e definha
é de existir um povo
refém de uma quimera
e, ainda assim, vívido
no sonho de gente
no desiderato
de resgatar para si
um lar, uma pátria.
Alguém lhe há-de chamar
a nação caçula
deste mundo insano
em vias de humanização.
.
-5-
Foi vermelho
vívido como os cravos
como o sangue
contido em Abril,
uma vez mais
se fez rubro
no atear de um fogo
que se volta a evocar
como liberdade
até no mais insular
de uma metade
até na paixão verde
de um suspiro vegetal
que ecoa por Timor.
Não é mais a prece
pronunciada em surdina,
é a verdade num grito
que se escreve
como um destino
no clamor por Lorosai.
.
-6-
TIC, TAC, TIC, TAC,
...
BANG, BANG, PUM, PUM,
...
TIC, BANG, TAC, PUM,
...
Onomatopeias grotescas
do real que se escuta
que se sente, se vive,
que se chora
e, solidário, se escreve
a tinta escarlate
no espaço crente da alma
ou num cartaz de rua.
Como este que aqui se lê
e, de lido, ecoa
como uma oração
que se repete
até ser ouvida nos céus,
ou só até à exaustão
que chega ao raiar
de um novo amanhã.
Ouve-se mais clara,
por entre os murmúrios,
a denúncia na voz
da repórter, ou seria
a da testemunha,
viva entre os vivos,
que, mesmo expectantes,
somos e teremos de ser
pois que há que dar as mãos
na noite fria
de tão fria ser, algures,
a noite bastarda
do meu irmão timorense,
assim, padecer,
tão imensamente...
tão mais amargamente que eu.
.
-7-
É branca a fome e a sede
por dentro do corpo
como a camisa
que resguarda o peito
e a inocência
de um sonho tão singelo
como o de poder respirar.
-"Liberdade ou morte?"
O ignóbil tirano
pronuncia-se: "Morte!"
Ele tem o sotaque
e o hálito podre
que nem se imagina,
sequer, na mera bosta.
Imperativa foi,
por sandice, a morte.
Foi destino, má sorte,
foi vontade ou incúria
de Deus ou da humanidade.
Foi bosta de bosta...
Foi ordenada a morte
sem mais sentido
que a sina de existir
incorporando na vida
a certeza de um fim.
É branca a fome e a sede;
é branca a indignação
pela morte certa
que não serve, ou servirá?
ainda que faça ou desfaça
dos que ficam
e, de algum modo, vivos
a glória dos que partem.
É branca como nuvem,
é leve e vai no vento
é urna de inocentes.
.
-8-
Uma pedra do chão
faz-se martelo;
um pau comprido
faz-se mastro;
um pano colorido
faz-se bandeira.
Crava-se o mastro no chão,
fixa-se nele o pano,
chega o vento novo
e desfralda a bandeira.
A lágrima que se solta
tem a ver com o horizonte
com a alvorada
com a verdade sagrada
dentro destes corações
que, feridos, saram
e, crentes, dedicam
aos céus e ao vento
a bandeira libertária.
.
Lu_M