DESILUSÃO

DESILUSÃO

Nascera na senzala o pobrezito.

Legado lhe fora as lides na estância.

Por isso, desde muito criança

teve em seu caminho restrito,

pontilhada sua agitada infância,

com certeza, de poucas livranças.

E assim foi ficando mui guapo,

sabendo de tudo lépido ser safo.

Montava num potro sem sela,

dominava a fúria do animal,

caso fosse o bicho indômito

e não se deixava abater naquela

luta de aparência tão desigual.

Podia se empinar o enfurecido,

correr, trotar, rinchar, mas o cuera

de pronto dominava o bagual.

Destemido em trabalho arrojado

e jamais recusava um entrevero.

Adolesceu no lombo das agruras,

nem por isso, era desaforado.

Sensato, ágil, tornou-se tropeiro

e o patrão sabia serem seguras

suas ações de homem capaz

e lhe confiava ser seu capataz.

Um dia o patrão chamou-o de lado.

Falou de encrencas rondando os pagos.

Deu-lhe uma lança e um belo cavalo,

pois teria uma missão de cunho delicado.

Não entendeu lá o que seriam embargos

na fala do patrão, mas bastou um estalo

do pingalim, que ele fez batendo na bota.

De pronto entendeu o peão: bochincho, se nota.

E não deu outra. Era a guerra. E era pra já.

De capataz a homem forte, lugar tenente,

quase chegou, não fora a pele negra reluzente.

Foi um pulo o andar do tempo tão ligeiro

trazendo as refregas, entreveros de cá e lá

e todos viam e seguiam aquele valente,

na lança e no facão a golpe sempre certeiro

abrindo na ala inimiga um sulco morteiro.

Foi audaz e veterano de muitas batalhas.

O Rio Grande estava de pé por seus ideais.

Ele mantinha a chama acesa da bravura

sem imaginar que as guerras são mortalhas,

nas quais os humildes não tem sequer funerais.

Mas, qual imensa foi do infeliz a desventura

quando soube do acordo de seus generais.

Último combate. O ferro inimigo o atingira no peito.

Tudo mais o que ele queria era a independência

do seu Rio Grande e pra si, a sonhada liberdade.

No miserável leito onde jazia moribundo, sem jeito,

foi deixando o corpo entrar na displicência.

Afinal, sua dúvida: o que havia de verdade?

Vida ao fim, e como antes, tudo voltara a ser.

Desiludido deu-se à morte, não quis mais viver!

Marcos Costa Filho
Enviado por Marcos Costa Filho em 05/06/2009
Código do texto: T1634217