Nem pra morrer o tempo presta...

Quando nas quebradas do sertão

o vento avisa com um redemoinho,

prepare a alma pr´um tempo de seca...

Prepare a boca pra rezar um terço,

prepare os pés pra cobrir de léguas,

guarde nos olhos sua água pouca...

Quando passar o cavalo-do-cão,

se benza três vezes.

Se ele passar de novo, mais três.

Se ele tornar a passar,

nem olhe pra trás, vá se embora,

corra que nem um estropício.

O gavião peneira sobre o baixio

de olho arregalado no rachão da terra,

esperando um bicho se bulir do canto...

É quentura, irmão das almas...

Nem pra morrer o tempo presta...

Se o sino tocar na secura do dia,

o mundo todo vai saber...

Nem pra morrer o tempo presta...

Nem pra viver a fruta nasce,

quanto mais chão pra se enterrar semente...

Cova de defunto magro não nasce flor.

Nascer do que?

O choro que ele tinha, não tinha mais.

Já tinha até esquecido como se cuspia.

Não urinava, não suava, nem sorria.

Não toque o sino, irmão das almas...

Não toque o sino...

O sertão fica triste quando o sino toca.

Nem pra morrer o tempo presta...

Marco di Aurélio
Enviado por Marco di Aurélio em 20/12/2005
Código do texto: T88618