Eco das Montanhas (São Pedro do Itabapoana)
São Pedro do Itabapoana é passado
E o que é o passado senão um presente que foi vivido
Ou um futuro sendo construído?
“Eta, galinho bom do vovô!”
Já dizia o menino Robinho
Sempre que o galo de seu avô abria um novo caminho
E foram tantos os caminhos pelos casarios
Olhares curiosos pelo quintal do Seu Setenta
Na Bica d’água abundante: bocas sedentas
Pés descalços corriam e se empoeiravam na Rua das Tábuas
Bundas raladas escorregavam no corrimão da escadaria da praça
Nos calçamentos pé de moleque construído pelos “escravizados”
Meninas e meninos “libertos” corriam para todos os lados
Subiam e desciam os morros, entre os amigos
Dormiam sob as estrelas, saboreavam goiabada caseira
Abriam as janelas e contemplavam as árvores ficus
Do alto das casas de São Pedro, se via das enormes janelas
Senhoras lavadeiras pendurando as roupas como sentinelas
E o cheiro de café no fogão a lenha, do milho assado e o capim cidreira
Já queriam dizer: Aproveite! A vida, mesmo tranqüila, é linda e passageira!
As crianças, brincando, desciam nos barrancos
Enquanto seus pais, trabalhando, tentavam subir na vida
Seu Raphael Seleiro fazia arreio de cavalo “brabo” ou de cavalo manco
E em sua máquina de costura costurava chegadas e partidas
Lembranças de Wilson Pedrosa na porta da venda
Conversando com amigos e rindo das pessoas em sua fase mirim
Vez ou outra observava as belas montanhas
Em especial, o monte Palmerim
A menina Geralda já cozinhava delícias apenas dez anos
O querido Pepe continua cultivando amizades por todos os cantos
Josephina, símbolo de receptividade e gentileza
Mostra, até hoje, que com tranqüilidade, nenhuma alma se sente presa
A criançada seguia com um trocadinho na mão
E eram atendidas por Nágila com toda a satisfação
Doce de leite, cocada e doce de mamão
Quem provou, se lembra bem daquela ocasião!
A tarde era hora de pescar de vara, anzol e minhoca
Para pegar piaba, cará, peixe-flor, cascudo viola
Nos campinhos de futebol, a melhor companhia era a bola
E os tira-gostos? Torresmo, cachacinha e mandioca
Na boca das crianças: pirulitos de chupeta açucarada
Na boca dos “homens de chapéu”: o amassado cigarro de palha
Na cabeça dos adolescentes: bailes em noite enluarada
Nas mãos das senhoras: agulhas e crochê pela calçada
Cavalos arreados nas portas das vendas
Lingüiças penduradas em barbante como oferendas
A velha balança empoeirada e cinzenta
Fazem parte da memória de quem ainda se lembra
Os irmãos Lílian, Leila e Guinho
Visitavam, brincavam e aproveitavam por inteiro
E com lágrimas nos olhos é que voltavam para o Rio de Janeiro
“Abre a porta ou a janela...” Zezinho Rigueto fazia sua serenata
E as janelas se abriam, com preguiça, às três horas da madrugada
Soraya, Sorama, coisas de quem ama, filhas do Beto Vereador
Sebastiãzinho “Chapéu de Couro” toca na sanfona trovas de amor
Giovana e Liliane, filhas da terra, que resgatam do passado
Um amor sempre presente, constante e fortificado
Família Settimi, valores além de uma vida inteira
Dona Filomena, a prestativa rezadeira e parteira
As árvores foram embora, suas raízes foram deixadas pra trás
O silêncio de agora é cortado em época de festas e festivais
Os jogos, à noite, de baralho, quase não se vêem mais
E as montanhas fazem perguntas, aflitas, aos ancestrais:
Oh! São Pedro do Itabapoana, onde está a palha de arroz,
Em que as crianças brincavam e se coçavam depois?
Responda-me São Pedro do Itabapoana! De onde veio toda a sua fama?
Qual é a magia de suas matas, de seu bosque e do seu coreto?
O seu tesouro mora nas sanfonas, nas violas ou em algum soneto?
Por que, São Pedro do Itabapoana, tu és tão diferente?
De onde vem o encanto, o brilho nos olhos
E a dignidade de toda a sua gente?