Deixem-me Beber

Deixem-me beber!

Não posso deste vinho embriagar-me,

Meu coração não pode entorpecer

Nem pode envenenar-se,

Que está já envenenado

E está a assassinar-me…

O vinho é só um disfarce

Para o meu fado.

Este olhar vazio

Não se esvaiu disperso nesta taça,

Mas foi perder a vida como um rio

Que foge de si mesmo

E perde-se no mar;

Como a perder a graça,

Perdeu-se e está a esmo

Em teu olhar.

Desatento às vozes,

Não pus na cornucópia meu ouvido

Para escutar do mar ondas ferozes;

Se fujo a esse barulho

E ignoro estrondo atroz

Tenho o ouvido perdido

Para ouvir o marulho

Na tua voz.

Ouço notas mágicas!

Não é, no entanto, a divinal bebida

Que me permite ouvir as vozes trágicas

Dos moribundos anjos

(Que em júbilo se vão…),

Mas a doce batida

Como notas de banjos

— Teu coração.

Thiago Leite
Enviado por Thiago Leite em 19/04/2005
Código do texto: T12088