ÚLTIMO ATO

Encaro-vos, pois, pujante e destemida!

Sou, em vida, o que lhes alimenta a alma

sou o riso e o sarcasmo sobre o palco

sou as vestes que encobrem as feridas

Minhas dores são, aos vossos olhos secos

o ranço de um passado sem amores

aos dedos que me apontam os pecados

ofereço sob as vestes, as feridas e os ardores.

Enfiem vossos dedos no que resta dessa carne!

Vasculhem, farejem, cada palmo e cada palma

cuspam se quiserem sobre a sobra do que vale

que aos vermes que esperam, pouco cabe dessa alma.

Riam-se abutres! Com meus olhos joguem dados!

Banqueteiem-se das vísceras, bebam-me em taças

sôfregos, alucinados...arranquem-me a pele e os dentes

Mas meus seios...não, não os toquem, são doentes!

Seios intocados pelo amor tão desejado!

Que permaneçam assim...incólumes, virginais

doentes, desamados, hirtos...meus ais!

E assim, devorada sob a frieza do vosso olhar

e com os seios intactos como os de uma virgem

deixai cair o pano que encerra a minha história!

Não espero de vós aplausos nem tampouco glórias.

Apenas o fogo (ou o escárnio)

que acenda o meu último cigarro!

E da morte, espero o beijo...

que desflore enfim os meus seios

neste meu triste, e derradeiro ato.

(*Inspirado no poema Versos íntimos de Augusto dos Anjos)

Monica San
Enviado por Monica San em 08/12/2008
Reeditado em 22/01/2009
Código do texto: T1325124
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