MICO DA TRIPA DE MICO (AUTO-BIOGRÁFICO - "CONVERSAS COM MACAÚBAS")

CAPÍTULO VII

1962

Corria o mês de junho em meio aos festejos e comemorações juninas e em plena Copa do Mundo, na qual a nossa seleção canarinho disputava o bicampeonato mundial no Chile, evantando naqueles dias o tão sonhado caneco da Taça Jules Rimet.

Memórias auditivas – os jogos eram ouvidos através do rádio e somente vistos tempos depois, nas fitas de celulose em preto e branco, que passavam antes da exibição dos filmes, nos cinemas – os lances da copa de 1958, conquistada com todos os méritos, pela primeira vez e na Suécia:

Gilmar, Djalma Santos, Mauro, Orlando, Nilton Santos, Zito, Didi, Pelé, Garrincha, Amarildo, Vavá, Zagalo, etc...

O ano de 1962 foi prodigioso para a minha vida, por assim dizer um lastro e um marco decisivo na minha formação como ser. Eu morava na Rua Milton de Oliveira, que era uma espécie de afluente da Rua Afonso Celso, na Barra, bairro que juntamente com o da Graça e do Canela até então, mais chiques, onde residiam as famílias ricas e tradicionais, a ‘socialytada’ de Salvador. A minha era classe média média e destoava das demais, mas morávamos ousadamente entre as mais abastadas da capital baiaba. Na verdade, de destaque em nós, somente o Peltier, herança de minha mãe, embora um sobrenome distante, e prestes à extinção, não fosse a mesma tê-lo, questão de honra, adotado à sua prole e aos filhos, e nós aos nossos filhos.

A Rua Milton de Oliveira tinha seus nascedouro e foz na Afonso Celso, como uma variante dessa última que era em relação à primeira, a principal. Pois bem, eram mais ou menos 15 horas e um delicioso “baba” rolava no meio da rua de asfalto com os golzinhos delimitados, às vezes com pedras ou com tijolos subtraídos de alguma construção, outras vezes com latas achadas ao léu. No trecho que nos servia de estádio compreendia de um lado, um certo edifício, que não lembro o nome e a residência de um primo em 2º grau, chamado Valdeck Peltier dos Santos Cajueiro, figura de quem eu gostava muito, pois além de ser engraçado e gozador, sempre tomava a defesa de minhas peraltices junto à minha mãe, a austera D. Maura; do lado oposto, algumas casas residenciais como a de Betinho e seu irmão Cacá e de outras famílias, as quais ‘deletei’ da minha memória, com o passar do tempo, seus nomes e/ou sobrenomes.

No tal prédio morava uma sinistra mulher de idade até hoje ignorada, nem jovem, nem velha, talvez em relação à média de nossas idades – os craques da pelada, todos púberes, ela já era coroa, de quem se diziam horrores: neurótica, antipática, *programista. Todos na rua éramos amigos e o trânsito era livre a todas as casas, exceto na de Tripa de Mico, alcunha colocada pela turma, haja vista a magreza da desafeta mulher.

O baba rolava legal e tinha até locutor, um garoto gago, que não se sabe como, nem porque, haja vista a sua gagueira, sonhava em ser locutor esportivo. No afã de meter a bola por entre as pedras da trave num esfuziante gol, Chiquinho, um primo de Cacá e Betinho, que passava as férias juninas em Salvador deu um chutão na bola, que foi rebatido pelo zagueiro Gordo, resvalando no meio fio da calçada indo bater logo em quem? Na nossa indesejável vizinha Tripa de Mico, que no auge de seu ódio e de sua chatice achou que a bolada era de propósito e mesmo sem ser tempos de Natal, armou a presepada. Bradou, xingou, bufou, roncou trovoada e ainda não satisfeita correu até o seu apartamento e de lá voltou com o seu pai, um velho com aspecto de coronel de interior, em conjunto duque branco, chapéu fino de palhinha, à la Coronel Limoeiro, quê, de revólver em punho partiu pra cima sabe de quem, logo de quem? De mim, a me chamar de diabo louro. O pior: os meus amigos de rua observando a minha situação cercaram o velho e o desarmaram com algum gingado tolo de capoeira. O coronel inconformado virou uma besta-fera e urrava de ódio, jurando que iria me matar.

Toda a Rua Milton de Oliveira, mais a Afonso Celso, o Farol da Barra, enfim toda Salvador tomou conhecimento de tais ameaças e óbvio, sobretudo, minha implacável mãe. Resultado: tive de ser deportado, expatriado e exilado para Jequié, cidade onde trabalhavam e moravam, meu pai, chamado Jorge, fiscal de rendas do estado, e meu irmão mais velho, Augusto, que era médico.

Próximo capítulo exporei minha chegada e permanência na fantástica cidade-sol.

Antonio Fernando Peltier
Enviado por Antonio Fernando Peltier em 16/01/2009
Reeditado em 18/01/2009
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