Pretérito

Falarei dos sentimentos que não sinto

Das letras que não leio

Das paisagens que não toco

Das carnes que não como

Dos odores que não cheiro

Vou falar tudo isso e muito mais

Do barco navegando

Em mar que não existe

Do corpo que roça o corpo

Que olha a luz da janela

Dos segredos do mundo todo

E de ninguém

Falarei ainda, com muito entusiasmo

Da mesa do restaurante

Dos pedestres na faixa de pedestres

Indo de uma a outra calçada

E das faces motorísticas

Ao telefone em viva voz

Não me furtarei de falar

Das mochilas repletas de livros

Dos cigarros acesos no chão

E dos isqueiros quebrados

Da lua cheia coberta de nuvens

Que chovem e permitem a visão da lua cheia

Falarei veementemente

Das entrelinhas do raciocínio matemático

Das crianças escorregando

Nos escorregadores da piscina

Num dia de sol

Do balanço das cadeiras de balanço

Não posso deixar de falar

Das palmeiras centenárias

Das roupas da moda

Dos cegos que tropeçam

Do semblante simpático

Dos mortos no caixão

Falarei incessantemente

Dos abajures em formato cilíndrico

Do sentimento de patriotismo

Dos períodos de gestação

Nas mulheres que fizeram tratamento

Logo após, chorarei

Lágrimas silenciosas cairão dos olhos silenciosos

E inundarão todas as palavras

E do oceano silencioso

Nascerá uma vitória-régia

TXAI
Enviado por TXAI em 14/04/2006
Código do texto: T138904