Pretérito
Falarei dos sentimentos que não sinto
Das letras que não leio
Das paisagens que não toco
Das carnes que não como
Dos odores que não cheiro
Vou falar tudo isso e muito mais
Do barco navegando
Em mar que não existe
Do corpo que roça o corpo
Que olha a luz da janela
Dos segredos do mundo todo
E de ninguém
Falarei ainda, com muito entusiasmo
Da mesa do restaurante
Dos pedestres na faixa de pedestres
Indo de uma a outra calçada
E das faces motorísticas
Ao telefone em viva voz
Não me furtarei de falar
Das mochilas repletas de livros
Dos cigarros acesos no chão
E dos isqueiros quebrados
Da lua cheia coberta de nuvens
Que chovem e permitem a visão da lua cheia
Falarei veementemente
Das entrelinhas do raciocínio matemático
Das crianças escorregando
Nos escorregadores da piscina
Num dia de sol
Do balanço das cadeiras de balanço
Não posso deixar de falar
Das palmeiras centenárias
Das roupas da moda
Dos cegos que tropeçam
Do semblante simpático
Dos mortos no caixão
Falarei incessantemente
Dos abajures em formato cilíndrico
Do sentimento de patriotismo
Dos períodos de gestação
Nas mulheres que fizeram tratamento
Logo após, chorarei
Lágrimas silenciosas cairão dos olhos silenciosos
E inundarão todas as palavras
E do oceano silencioso
Nascerá uma vitória-régia