EXÍLIO ESTRATÉGICO FUGINDO DO FURACÃO "TRIPA DE MICO" - JEQUIÉ INAUGURA NOVOS TEMPOS. (bibliográfico Conversas com Macaúbas)

CAPÍTULO V

1962

Jequié: Um novo marco em minha vida. Meu pai, que tive assim finalmente a chance de conhecer amiúde sua natureza, seu jeito aparentemente seco, mas muito sensível, desde então foi tornado meu ídolo. Jorge Antunes Freire, homem simples, calmo, sensível e bon vivant, apreciador do que há de melhor nesta vida: mulheres; comidas - a maioria simples, sertanejas ou litorâneas; seletas bebidas, da cerveja ao scotch e passando pelas melhores safras de importados vinhos, esbarrando nas divinas e destiladas branquinhas. Augusto, meu saudoso irmão, também ´bon vivant´, homem sempre apaixonado por sua eterna namorada, noiva e esposa, Maria Helena, gastrônomo e apreciador moderado de boas bebidas; ‘musicóolatra’, de eletiva, triada musicofonia e grafia universal. A partir dele, o mano Gugu, eu também me tornei viciado em excelentes e exemplares músicas. Conheci e me tornei íntimo de Ray Charles, Samy Davis Jr., The Platers, Louis Armstrong e Frank Sinatra. Ele Também me apresentou João Gilberto, Miltinho, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Agostinho dos Santos e Elizete Cardoso, entre outros. Descobri nesses artistas os meus ídolos e companheiros até hoje. Um dia, provavelmente um sábado, ele tocava violão entre amigos e colegas médicos. Tentava cantar Maria Ninguém de Calos Lyra e se perdia na letra sem conseguir lembrá-la, quando sem querer comecei a balbuciá-la baixinho e ele percebeu e me falou: chegue mais pra perto, você sabe a letra, cante mais alto pra todo mundo poder ouvir. Eu me aproximei timidamente grudando os meus olhos naqueles acordes produzidos harmonicamente no violão a me acompanhar e cantei pela primeira vez tendo algum público, embora pequeno e amigo, a assistir-me. E mandei ver...

“Maria Ninguém

é Maria e é Maria, meu bem

se eu não sou João de Nada,

a Maria que é minha

é Maria Ninguém”...

E por aí foi e no final os primeiros aplausos conscientes, haja vista a seleta platéia, da minha carreira de artista cênico, nascendo ali essa carreira. Gugu pronunciou-se, então:

- Você é afinado e tem timbre agradável.

Passei a fazer parte, em pé de igualdade, do seu grupo e passei a cantar sempre com ele. Isso fez-me redescobrir e despertar para o “Blue Moon” que eu dublava de uma vitrola por detrás da janela da sala da casa à Rua Joaquim da Maia, nº 7, entre o Largo 2 de Julho, a Rua Democrata e a Baía de Todos os Santos, onde quase eu nasci (vide Capítulo - Nos Palcos da Vida a Vida nos Palcos) não fosse uma queda de minha mãe grávida na Ladeira de São Bento, fato descrito no Capítulo II e que me obrigou a rebentar no Hospital Português). O Blue Moon foi descoberta de que eu seria o artista que hoje eu sou. Em Jequié pisei pela primeira vez de verdade num palco, e representei teatro diante de um ávido público por assistir algo proveitoso, que ao menos divertisse, eu e o Léo – fato narrado também num capítulo anterior.

Antonio Fernando Peltier
Enviado por Antonio Fernando Peltier em 18/01/2009
Reeditado em 18/01/2009
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