CAÇA À POESIA! (AUTO-BIOGRAFICO - "CONVERSAS COM MACAÚBAS"
CAPÍTULO XII
1962
Tenho orgulho até hoje de ter convivido, plena adolescência, com figuras que ajudaram na minha formação intelectual e na minha sensibilidade como ser. Wally e Jorge Salomão, Gey e Ruy Espinheira Filho, Bené Freire Sena, Raimundão.
Em Jequié, saíamos para caçar Rio de Contas afora, que chamávamos de Rio Faz de Contas, tanto pelo seu nome e por ser um rio em confronto com sua perene realidade temporã e quase sempre seca, quanto pelo que caçávamos, ou seja: absolutamente nada, fazíamos de conta que íamos caçar absolutamente paramentados ou com um arsenal de espingardas, cartucheiras cheiinhas de cartuchos e na soma de todas as vezes que assim saímos, demos um único tiro, o qual até hoje eu me arrependo, num inofensivo bode, que, após ter sido morto foi escalpelado ou despelado pelo punhal e a destreza de Raimundão.
(Raimundão, hoje é um sério professor de história, mas que confessara um dia em desatino, o desejo de ser puto na França. Dizia ele em suas elucubrações e invencionices, que naquele país havia prostíbulo para putos que recebiam encubadas senhorinhas de famílias quase boas de Paris, em busca do prazer carnal e ao cabo de suas satisfações deixava o dinheirinho debaixo de bibelôs por sobre a penteadeira, como que plagiando as nossas prostitutas de 3º mundo. Ah, desculpe, homens são putos, mulheres, prostitutas, com todo o respeito à essas heróicas profissionais do sexo, que nos anos em tela salvavam a lavoura de nós, sobretudo os púberes, incautos nas proezas sexuais).
O caprino assassinado, após ser literalmente temperado com sal grosso, conhaque medíocre e vinho da pior qualidade, a sobra do mesmo, o pêlo bem curtido, virou bonito sapato para os meus pés. Deu-nos muita dor de cabeça e preocupação, pois o seu proprietário andou-nos perseguindo para pagar o prejuízo pela perda do animal barbudo até pela Rádio Bahiana de Jequié, que de meia em meia hora anunciava a procura dos garotos assassinos prometendo alguma recompensa a quem nos identificasse e dedurasse.
Passado o remorso, Deus nos perdoe por tal crime e pecado, eu retomo o bonde daquilo que desejo explanar: na verdade, durante todo o percurso, entre uma e outra golada de conhaque vagabundo, falávamos dos grandes poetas, de suas obras. Conheci ali Fernando Pessoa, Mário e Osvald de Andrade, Pablo Neruda, Vinicius de Moraes. Drummond, Bandeira, Cecília. Conhecemo-nos Wally, Jorge, Gey, Ruy, Bené, Peltier, Raimundão sem ainda descobrirmo-nos os poetas que nos tornaríamos adiante. Tudo aquilo mudou o curso da minha sensibilidade e tudo o mais em mim. Por muitos anos eu sonhei com aquelas caçadas e se hoje sou quem sou ou como eu sou, tudo nasceu ali. Jequié fonte de toda descoberta, toda fonte de muita inspiração.
Em 2005 quando estive em Jequié, divagando noite à dentro, revendo, revivendo antigas emoções. Uma cidade tão cultural e sensível quanto o seu povo, suas esquinas, seu mercado, suas bodegas, suas sensuais mulheres. Ah, desculpa, mas isso de mulheres sensuais tem em todos os lugares.
Revejo a antiga biblioteca ainda a mesma, os cinemas que restaram, o Jequié e o Auditorium, hoje fechados, o Cine Bonfim agora, uma academia de fisiculturismo. Em compensação, o Centro Cultural e a Casa da Cultura, a Matriz de Santo Antônio, o santo padroeiro do lugar, local onde cometi pecados joviais.
Revejo amigos, outro dia foi Gey Espinheira que lá estava para uma de suas sócio-antropológicas palestras, sumamente importantes para os jovens e para todos. Estive com Deodato Astré, que me presenteou com o seu livro coletâneo de poesias de jequieenses e pessoas afins de Jequié. Linda produção.
Quando vou levo sempre uma de nossas peças teatrais e musicais infanto-juvenis para o deleite das crianças de lá e é aí que revejo Bené, sempre assíduo às minhas produções e me fascino com a leveza sensível de Jonas, o grande artista dos metais. Vou e vamos enquanto grupo teatral saborear os quitutes e massas da Família Schettini, ex-colega do IERP, a quem chamávamos de Zé Bolão. Encontro com aquele que sempre nos leva e os nossos trabalhos teatrais, o grande produtor, diretor teatral e animador cultural e melhor, o grande amigo e parceiro Astro Brayner, esse já trouxe astralidade no nome e graça artística no sobrenome.
Devo muito à querida Jequié. Também sofro por estar tão ausente dessa cidade que Deus abençoou com luminescência e calor humano para fazer jus ao título de Cidade do Sol.
A acesa a lembrança de Adelina, morena e linda, alma de artista, tocava violão e piano, mas acabou fazendo medicina e continuou grande artista plástica como cirurgiã. Ela que foi morta, assassinada tragicamente.
Devo dedicar ainda outros capítulos à essa cidade, essa gente, esses amigos. Eu nunca irei perdê-la de vista, Jequié da minha juventude, Jequié de eterna jovialidade, porque não se deixou perder a sua identidade que é o zelo, a preservação da cultura de seu povo. Por mim todas as cidades da Bahia seriam assim. Deu três governadores à Bahia, Régis Pacheco, nos anos 50, Lomanto Júnior, nos anos 60 e César Borges, mais recentemente, ao contrário de Serrinha que há anos não elege um filho seu como deputado estadual. Triste Serrinha política dos políticos falcatruosos.