O HOMEM QUE APARECE E DESAPARECE

CAPÍTULO XVI

1960 / 1970

PRONTO, ESTOU VENDENDO O PEIXE PELO PREÇO QUE COMPREI...

ouvi dizer que lá pelos idos anos 60, eis que aparece em Serrinha uma grande atração. Os serviços de alto-falantes, dois únicos na cidade, respectivamente, Princesa dos Tabuleiros e Urubixaba, após cada intervalo musical anunciavam um grande espetáculo que seria apresentado após a boca do ocaso, e, também no único carro de propaganda, se escancarava: Hoje à noite, no palco do Cine Marajó: “O Homem que Aparece e Desaparece!” Após o horário da janta, antecipado em cada lar por conta do anunciado, todos seguiram para lá, entre outros, as senhoras e os senhores de tradicionais famílias, os jovens solteiros e os casais de jovens, os complicados e os não e até o padre adiou uma cerimônia litúrgica para naquela noite de domingo ir junto com o sacristão e o coroinha ao cinema, pagando os ingressos com dinheiro emprestado da sacolinha coletora do ofertório da missa ocorrida na matinal. Só não se permitia a presença de crianças, não que o possível show pudesse ter algo que atentasse contra o pudor pueril, mas em verdade por conta do rigoroso juiz da comarca e principalmente de um preposto do meritíssimo e respeitado oficial pela sua intransigência em coibir a presença da garotada nos eventos após as 18 horas. O público logo lotou as 760 poltronas e se mantinham encaracoladas curvas, a enorme fila de pessoas interessadas em desvendar o mistério, a surpresa, assistindo a proeza do homem que desaparecia após aparecer. Frustração total: é que o espetáculo estava programado para não acontecer. Senão, vejamos: o cinema aglomerado de gente: galera sentada nas poltronas, galera sentada nos colos da galera das poltronas, galera mal acomodada e desconfortavelmente no chão duro e frio, além da galera das galerias e mais os de pé. Foi, por assim dizer, a maior platéia de todos os tempos em Serrinha num espaço fechado. Mais ou menos umas 21 horas, portanto com muito tempo de atraso, eis que as cortinas da frente do palco e da tela cinematográfica se abrem e surge um sujeito, protagonista único, vestido em capa preta de mágico, um chapéu coco, sorriso cínico, bigodes de foca a abrir e a fechar freneticamente os braços cumprimentando o público esbravejando e recebendo dele um sonoro boa noite! Pra não variar da práxis, sua segunda e última fala: Tá fraco! O público, coitado, caprichou numa segunda resposta em diálogo com outro supersonoro boa noite! E o homem sorriu e a cortina se encerrou e o espetáculo também. O homem some de cena. A platéia aguarda, quiçá uma segunda aparição como se fosse o 2º ato do nada e nada mesmo. Lá se vão 15, 20, 25, 30 minutos de espera e coisa alguma. Tempo suficiente para que o “mocinho-vilão” passasse na bilheteria e de lá sumisse com o seu comparsa e motorista, também dublê de bilheteiro. Vão todos correndo prestar queixa ao delegado, que destinou viatura e policiais para o encalço dos dois pilantras. Dois dias após, pegos pelas bandas do Cumbe, onde articulavam o mesmo golpe e recolhidos enfim ao xilindró, diante da autoridade policial máxima da cidade, defenderam-se como puderam: “Nós não enganamos ninguém. A propaganda foi muito clara. Cumprimos fielmente o que anunciamos: o homem que aparece e desaparece!”.

Precisava dizer mais nada. Esse foi um causo entre os bilhões de outros casos que acontecem em detrimento da boa fé pública e não teve choro nem vela, a não ser o sentimento terrível que é o da enganação pela parte dos enganados.

Se o dinheiro do ingresso foi ou não foi devolvido, passe no delegado, pois isso eu não sei, pois quem me contou esse caso já morreu e só me contou até aqui. E tem mais:

O tal contador antes de morrer

passou pela perna de um pinto,

se esquivou pela pata d’um pato,

como tinha cabelo pixaim,

tacou-lhe uma pata-pata,

quebrou o primeiro beco

de fato, e ganhou o mato

tirando proveito d’u’a moita,

pois é no mato que se acoita.

Mas também deixou recado:

a quem não gostou desse ´ causo´,

que num faça mal juízo de mim

crie coragem de vir até aqui

e conte outro, enfim, não sendo falso!,

mas dessa vez em dialeto tupi-guarani

pra não dar o que falar por aí!

Antonio Fernando Peltier
Enviado por Antonio Fernando Peltier em 20/01/2009
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