POEMAS EM CARNE E OSSO

I

Tenho por hábito/

esquecer de morrer/

ao fechar a boca/

em sinal de fuga.

Meus dentes cerrados/

ferem meus sentidos vãos/

e por isso ouço coisas estranhas/

e durmo profundamente mal.

II

Estas noites de pesadelo/

são facas pontiagudas a devassar a carne/

servida à mesma hora com o jeito imundo/

de um imperador qualquer sem dentes.

A gordura do mundo/

escorre agora de minhas narinas combalidas/

e eu tenho o peso de mil homens/

que carregam pedras enquanto o tempo passa.

III

Esta hora sangra mais/

mais e ainda mais/

pois não há como estancar/

o abandono deste instante.

Devo atirar a esmo/

e encontrar com os meus demônios/

para que assim cortemos a palavra cabeça/

em plena luz do dia.

IV

Gosto de nada/

boca vazia/

sede sem sede/

fome sem fome.

Comer e beber/

sem nada na alma/

boca vazia/

alma sem dentes.

Gosto sem alma/

gengiva que sangra

fome + sede

vazio do gosto.

Boca sem nada/

nem mesmo saliva/

vontade de morrer/

no escuro da noite.