Quem se importa?
Quem se importa?
A veneziana franzida e o cheiro mofado
lá dentro
E ela não quer abrir a porta
Oculta-se entre bonecas
e chama-lhes pelo nome
Assim entendemo-la melhor
Estas velharias me deixam louco
Recolho os gritos ainda roucos
Grito no silêncio, perdido na varanda...
“Não abrirei a porta aí fora!
Engula o teu mundo
A tua febre
Os teus dias
A tua angústia
A tua misericórdia
Os teus os teus espasmos...”
Dá-me então o alento do teu perdão
Vinho podre eu bebi
A casa abandonei em pleno verão
Olhei para a morte e ri
O meu riso sem redenção
Só quero um outro verão
De andorinhas e tudo mais
Saber que no mar gelado da noite
Encontrarei um aconchegante cais...
“A casa está fechada!
Pra que tão longa jornada
Infeliz o dia que partiste
E não duvide de que é triste
A solidão
O vendaval sem telhas
Amargo o feijão de seis dias...”
Voltarei pelo mesmo caminho
Sem a aceitação da terra
O vaso quebrado no umbral
A flor estranhamente suspensa
Ah! A liberdade, que graça!...
“Pensei que já eras um pássaro!
Duas vezes perdido estás
Faça como Ícaro e caia no mar
E não batas nos umbrais.
Homem rechaçado, conheço-te
Fraco e vil, e forte no desalento...
Acordar e morrer é o teu sustento.”
Passa um homenzinho a cavalo
Quem se importa?
Entre mim e a casa fechada
É fácil rimar com nada
Mas suponho que haja ainda um amanhã
E no pomar ao invés de vagens as maçãs?
A porta admito está trancada
Viajei á toa em árdua estrada
Queria ao menos o ar de dentro
E pressentir num sorriso o alento
De coisa redimida
A que não está e me destrói
Por dentro.