Quem se importa?

Quem se importa?

A veneziana franzida e o cheiro mofado

lá dentro

E ela não quer abrir a porta

Oculta-se entre bonecas

e chama-lhes pelo nome

Assim entendemo-la melhor

Estas velharias me deixam louco

Recolho os gritos ainda roucos

Grito no silêncio, perdido na varanda...

“Não abrirei a porta aí fora!

Engula o teu mundo

A tua febre

Os teus dias

A tua angústia

A tua misericórdia

Os teus os teus espasmos...”

Dá-me então o alento do teu perdão

Vinho podre eu bebi

A casa abandonei em pleno verão

Olhei para a morte e ri

O meu riso sem redenção

Só quero um outro verão

De andorinhas e tudo mais

Saber que no mar gelado da noite

Encontrarei um aconchegante cais...

“A casa está fechada!

Pra que tão longa jornada

Infeliz o dia que partiste

E não duvide de que é triste

A solidão

O vendaval sem telhas

Amargo o feijão de seis dias...”

Voltarei pelo mesmo caminho

Sem a aceitação da terra

O vaso quebrado no umbral

A flor estranhamente suspensa

Ah! A liberdade, que graça!...

“Pensei que já eras um pássaro!

Duas vezes perdido estás

Faça como Ícaro e caia no mar

E não batas nos umbrais.

Homem rechaçado, conheço-te

Fraco e vil, e forte no desalento...

Acordar e morrer é o teu sustento.”

Passa um homenzinho a cavalo

Quem se importa?

Entre mim e a casa fechada

É fácil rimar com nada

Mas suponho que haja ainda um amanhã

E no pomar ao invés de vagens as maçãs?

A porta admito está trancada

Viajei á toa em árdua estrada

Queria ao menos o ar de dentro

E pressentir num sorriso o alento

De coisa redimida

A que não está e me destrói

Por dentro.

luiz silva
Enviado por luiz silva em 18/05/2009
Código do texto: T1600704
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.