areia e sal

preenche-se o vento com o que pode carregar

com a areia, com o sal da praia

e eu

que vivo nas costas do mundo

sinto no vento areia e sal

a praia, tão longe, tão longa

a mim tão inatingível

arranca o vento de dentro do mar

e sopra-o na minha direção

o sal e a areia que me desconhecem

a meus olhos, minha garganta

querem arder

queimam

e querem me queimar

- mesmo que nem em sonho tenha visto

nunca haja deixado uma só pegada nessa areia

nunca deixado que me viesse até as pernas

uma gota que fosse desse mar -

quente, o vento sobe

pelo dorso frio do mundo

e me sussurra essa maresia

e desacomoda

o que antes fora ordeiro e mudo

e que mudo permanece

ainda mudo, mas inquieto

que esperar agora, eu me pergunto,

das idas e vindas desse vento

dessa areia

desse sal que vem do mar

disso que veio sem que eu percebesse

e que agora não consigo deixar ir?

antes houvesse passado

não há passado

não

o vento não passou

faz com que o mundo se erga

no meio das suas tempestades

e depois, na calmaria

vai-se

mas há de voltar

se um dia resolver fazer o caminho inverso

e pelas rochosas vértebras do mundo

buscar a praia de onde veio

encontrará comigo ainda guardados

os últimos grãos daquela mesma areia

resquícios daquele mesmo sal do mar