COMBOIO FANTASMA

O que vejo à frente perdida

Nessa estrada, lugar sem vida

Uma cabra sem rebanho

Se é miragem, não creio ainda

Que despresível criador

Procede assim com sua cria

Que, abandonada num deserto,

Se a desventura a tem, por certo,

Irá morrer em agonia

Confesso-me indeciso

Se vais em passo ou cambalear

- Se eu pudesse levá-la nos ombros

- Se eu pudesse mais que rastejar!

Ventos que pouco movem folhas

São, neste corpo, turbilhões

Neste sofrido esqueleto

Cuja a razão do movimento

É a agonia dos tendões

Morrerá de sede, em pouco,

Neste deserto que a cerca

- Se eu pudesse dá-la de beber

- Mas, o meu sangue já seca!

Deste sol que a atormenta

Pudera por meu corpo em frente

E da sombra desta tarde

Se até à noite revigorasse

Pela manhã seguia em frente

E no raiar do dia novo

Eu lhe daria a direção

Mas, o que vejo é só deserto

A cabra e esta terra na visão

- Se eu, ao menos, sonhasse!

- Se não pudesse vê-la

- Pois, não posso ampará-la

- Não posso socorrê-la

- Não posso estar aqui...

Não posso dá-la minha carne

por desventura, não sou grama!

Nesta ausência é que morro!

Tais são os nossos dois dramas:

Um corpo rendido à sorte

E a vida beirando à morte

Que insiste em rebelião.

lançarott
Enviado por lançarott em 29/08/2009
Reeditado em 30/07/2010
Código do texto: T1781045