Voe Livre

Não havia voz naquela boca ressequida

Nem uma bela música pra um dia de verão

Não existiam muitos motivos nem necessidades

Pra que aqueles serenos olhos perdidos olhassem pro alto

Ela ia dirigindo ao luar, nas entranhas da noite-mãe

Com o ar cantando fora dos vidros

Era sua única amiga, era sua única irmã

Amargava as dores de forma solitária e fria

Abraçava o fruto de seu ventre maternal

Esse seu mundo em retalhos

Prostituído por ela mesma

... Foi se vendendo pra si

Atravessando os longos anos

Acreditou no amor

Acreditou na beleza da dor

Parecia que era mártir de sua própria redenção

Mas apenas criança, apenas sombra, morria

Morria sozinha, petrificada em seu silêncio eternal

Era fruto de suas próprias descrenças na vida

Intimamente amante da perda, amante condenada à escravidão

Sub-julgada, psicologicamente violentada

Moeda corrente de suas trapaças interiores

Vinho amargo da mesa onde servem seus sonhos infantis

Freguês de um tempo desgostoso

Amiga fiel dos dias de ilusões, dos dias perdidos

Vai adoecendo devagar, degustando essa vida escura

Desde suas células

Tudo tão insensato, imperdoavelmente nu

Sem iluminação, erudição ou elucidação

Sacrifício iníquo, são esses seus dias

Pó de estrelas, fagulhas do porvir

Ainda inocente, peca!

Ainda eterno, morre!

Voe, voe livre... O céu é teu!