Alguém Está aí?

Fielmente o dia nasceu

Eu estava acordado quando isso fez toda a diferença

Através da noite densa

Eu vim, transpassando minhas falhas

Eu decidi não me vitimar dessa vez

Olhei pra dentro, sem medo

Não mais aquele arcanjo que decorava o céu

Agora, humano, demasiadamente humano

Percebi que minhas lágrimas não pesam nada

Que tudo que tinha dado, dei ao vento

Foi esse meu íntimo lamento:

Tortuosas vidas passando por minha vida

Não amei, não me deixei amar

No fim eu não era o rei do silencio

Era o solitário da torre de marfim

Preso, perjurado, ferido, quase inocente... Quase puro

Pacientemente eu me doei à meia-noite

Fui seu cônjuge, fui seu escudeiro

Chorei sozinho, plantei imensidões

Breves frestas numa parede existencial

Aquiescente, dancei nos seus termos

Menino, procurei seus ombros

Corri pelos jardins, nu e sem culpa

Acariciei seu rosto putrefato... Com amor e doçura

Eu queria ser livre de mim apenas hoje

Ver-me de fora, observar os pormenores

Talvez dar-me esse abraço que tanto me faz falta

E sarar tão profundo amargor

Eu sentaria comigo num banco de praça

Cantaria as canções da infância, diria que existe esperança

Ah, eu seria um verdadeiro amigo pra mim

Me faria bem, sem motivos, apenas seria bom pra mim

Eu me ligaria nas noites insensatas

Eu me atreveria a dizer tudo o que penso, sem senso

Eu falaria da vida, sem medo de chorar

Eu diria pra mim que meu amor é lindo e que corre nas veias de Deus

Eu seria intrépido e não me deixaria sozinho

Eu iria ler meus poemas e saber que falam de verdade e dor

Mas não deixaria a escuridão desses dias me levarem

Não deixaria essa vida me tornar um pessimista

Quem sabe o que querer dessa lida?

Quem sabe onde buscar essas respostas tão supressas no ser?

Quem pode me ouvir gritar?

Quem pode me ver sangrar?

Alguém está aí?

Alguém pode me ouvir?