Aquilo que vai

Sinto falta do chão. Sinto falta do alicerce que me mantinha no alto, que me mantinha seguro e me guardava de mim. Sinto falta de mim. Sinto falta de ser apenas eu e mais ninguém, daquele eu que sabe o que busca e valente anda por caminhos tortuosos e malignos e retos e claros e que nunca, nunca parecem chegar a lugar nenhum. Quando caio no meio do caminho estou cansado demais para ter forças e meus músculos são de papel, sem vida e fracos, e eles deixam de segurar aquilo que eu agarrava, que eu levava comigo a tempos e não queria deixar perder, que tinha conseguido manter em mim como lembrança de um eu que já fui. Então vou deixando que tudo caia e que se perca em algum lugar por onde andei, perdendo minha identidade, aquela mesma que eu tentava ser e que nunca fui pois me deixava ser tomado por outros. Esses outros me sabotaram, e me usaram, me guiaram por trilhas coloridas em preto e branco e me faziam rir do palhaço prisioneiro que eu me tornara e que deixara trancado numa minúscula cela imunda dentro de mim.

Vou me tornando cansado do mundo, de ver tanta beleza que me fere a vista, de ouvir murmúrios sem fim, e a medida que os segundos vão sendo calculados eu vou me tornando incapaz de respirar, de inalar este ar que me é oferecido mas que para mim não tem mais serventia. Tudo aquilo que me importa agora sou o eu que me tornei e que quero tornar imortal, imaculado em uma redoma de vidro.

Sou aquilo que sempre me enoja e me traz repulsa, sou vil e dissimulado, um falso amigo de tantas máscaras que nunca sei qual é a que estou usando. Quero sair de mim, me livrar desse corpo pútrido que me serve apenas de meio de locomoção. Quero rasgar a pele e vazar como pus saindo de uma ferida eterna. Quero ficar livre e perdido em tantos outros corpos, que perderei a conta. E beber, de cada um, a essência que o faz ser vivo.

Mas ainda dói muito aqui dentro, e isso me faz lembrar que sinto falta de me machucar, de remexer em minhas velhas cicatrizes, pois cada vez que eu me flagelo eu sou obrigado também a deixar o ar entrar, e isso me grita alto, tão alto que todo o meu corpo pode ouvir, e isso me alerta que eu ainda estou vivo.

Juliano Rossin
Enviado por Juliano Rossin em 18/11/2009
Reeditado em 20/11/2009
Código do texto: T1930530