[Na Tocaia do Olhar]

Hoje pela manhã,

amarga constatação...

Ainda outro dia,

lá na Fazenda Barreirão,

fundos e mundos de Minas,

ali, bem na frente da sede,

eu era Dom Quixote...

Pacientemente, enquanto

eu sonhava outros mundos,

eu ia arreando o meu cavalo castanho;

ajustava o baixeiro sob o arreio,

as correias dos estribos, o freio,

apertava com jeito a barrigueira.

Pé no estribo de latão, o olhar esquecido

na lonjura das invernadas, e lá ia eu a cavalgar,

sem pressa, sem rumo certo... mas no rumo do rio.

O escudeiro? Tinha nenhum, mas tinha

a companhia do Peri, fiel cão boiadeiro.

Mas hoje de manhã - traição do meu olhar:

olhei ao longe os morros que levam para Minas,

vi o gado branco... pontinhos de nelore no horizonte,

e então... travo seco na garganta - agora,

corridos os anos, as distâncias, sou sim,

Dom Quixote em vésperas de morte;

a aridez, o deserto da Razão recuperada,

ou, finalmente perdida?!

Agora, submisso aos ditames do tempo-ser,

eu é que me arreio, lentamente, enquanto

vou mascando o gosto da morte próxima,

o batente-de-fim-de-linha chegando...

Sim, arreio-me, meticulosamente assim:

Canetas no bolso da camisa branca,

chaves do carro, telefone celular,

carteira no bolso da perna esquerda;

corro e ato as peias do emprego

que pagou-me as contas, mas escureceu

o meu olhar, tirou-me a vida...

[Quem mandou-me estar desatento

às tocaias que o meu olhar arma?!]

[Penas do Desterro, 09h09 de 16 de março de 2010]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 16/03/2010
Reeditado em 22/04/2012
Código do texto: T2141183
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