A Lenda do Negrinho

E foi por lá,

onde a coxilha se mistura

com a bruma do passado.

Aconteceu pela palavra,

trazida na boca do povo

e ardida como pecado.

Era um negrinho escravo,

cavaleiro e atirador de laço.

Nome não tinha, tampouco idade,

era cria da própria terra

que o trouxe “já por destino”

num dia de tempestade!

O Patrão era maleva,

mais que ruim era seu filho,

como se diz no ditado:

limpo não era o trigo.

E a vida não dava trégua,

na régua nem se media,

de dia era trabalho,

de noite era castigo.

Certo dia num bolicho,

por conta de farta cachaça,

forjou-se o desafio

que antecedeu a desgraça.

Pelo negrinho montado

e muitos dobrões casados,

era o baio do caudilho

contra o mouro endiabrado.

O final todos já sabem,

rodou na raia o crioulo

e o mouro levou vantagem.

E terminou assim a contenda;

o patrão perdeu seus “trocos”

na carreira daquela tarde.

No silêncio do caminho,

tinha o homem cenho cerrado.

Na cabeça uma sentença;

o negrinho era o culpado.

Além de tronco e chicote,

anunciou-se inesperado,

numa invernada distante,

à pastorear a tropilha,

negro e baio foram exilados.

No lombo do pingo enjeitado,

conduzindo dor e tropilha,

se foi silencioso o pretinho

no rumo do anunciado.

Tombou ao pé de uma sombra,

isso depois de chegado,

pensou em Nossa Senhora e, sem demora,

sorriu e adormeceu encantado.

Noite clara, céu de estrelas,

dormiu e sonhou seu destino.

Um tempo de paz e alegria

que Deus lhe tinha legado.

O tempo passou num raio

e o baio fugiu de novo.

Levou de arranco a tropilha

que a trote se foi pelo pago.

Pro negrinho, alem da morte,

a chama da vela queimando,

um sorriso de fé e esperança

e a lembrança de sua sorte.