A VESTE COM A QUAL QUERO ME VER COBERTO

Perco-me nas palavras e não consigo encontrar

Aquela capaz de traduzir o medo de ver as vestes do tempo

Com as quais meu corpo teme ser coberto.

Penso que elas me fizeram outra pessoa,

Mas quando olho dentro de meus olhos

Vejo a inalterabilidade de meu íntimo. Estou nu.

Lá o tempo não me envolveu. Ainda há um pequenino me habitando,

Brincando de envelhecer, sem juízo. Lúcido. Feliz.

Rompido por trancos inesperados diante de tanta infância interna

E de um corpo tragado pelo roer impiedoso dos passamentos,

Refugio-me dentro de mim mesmo,

Onde fico protegido pelo manto parcial de meus olhos.

Onde fico criança eterna escondida das horas algozes.

E é tão bom ficar assim. Sem roupa. Sem corpo. Sem caduquices. Sem nada.

Guardado como joia rara que o tempo não ousa corromper

Com o pó da senilidade.

Guardado dentro de olhos tão maternos.