POR MAIS UMA DOSE DE DELÍRIO

Permito que destruam

meu delírio.

Compro uma passagem

para o Vale dos Sorrisos Falsos

pelo preço de poemas soltos

que eles pegam e queimam.

Preciso reconhecer o tempo

e minha obra.

Alicerces da história.

Um ser é o que faz.

E estão me fazendo.

Vendo minha liberdade de hoje

pelo tempo de amanhã.

E amanhã

terei tempo de fazer contas,

compras e rezar

pela melhora.

Mas se hoje eu desse um passo

em falso na passarela

e caísse na platéia

e quebrasse minha couraça

eles me veriam nu

e enxergariam em mim

o nu prisioneiro de si mesmos.

E me expulsariam

das câmeras, dos palcos,

das luzes, do espetáculo.

E sobraria eu,

no beco sujo da saída do teatro.

Sem camarim.

O público rindo de mim.

Voltaria para o meu quarto,

tomaria um banho,

tiraria do meu guarda-roupa

meu uniforme,

ligaria o som,

sentaria frente à mesa,

pegaria o papel e na caneta

e, finalmente,

escreveria outro poema.

do livreto TEMPESTADE

1984