NAMBUANGONGO Ainda Existe
NAMBUANGONGO Ainda Existe
Já estou perto dos cinquenta
E a sebenta que foi vida
(ou a vida que foi sebenta)
Continua rasurada, com reticências
À espera de nada, ou talvez
De uma caneta com novas vivências.
Ditongos suaves, expressos com melodia
Palavras simples, cedilhadas, amordaçadas
Sons mudos de uma constante agonia.
Nambuangongo existe e nunca vi
Nunca lá estive, mas li e percebi
A existência de nunca ver.
Ainda bem que foi só ler e perceber
O que as palavras queriam dizer.
Já basta quem o teve de sofrer!
Mas Nambuangongo existe
E continua perto de nós
Como Hiroshima ainda persiste
A dificultar a nossa voz.
Correram águas novas
Que transbordaram as margens
Alagaram os rios, encheram os navios
Mas as pontes sempre foram poucas
E os sorrisos...
Estiveram sempre esquecidos.
O tempo cabe num minuto
Quando esse minuto é pleno
Quando se vive cá deste lado
A pequenez de se ser pequeno
Na incomodez do triste fado.
Desvio o rosto, fecho os olhos
Tapo os ouvidos, ranjo os dentes
Mas o vento uiva aos meus ouvidos
E os cavalos galopam, galopam, galopam...
Nambuangongo ainda existe
Ao virar da esquina, ao abrir da porta
Ao tirar o selo da carta que recebemos
Ao recordar a existência de ser
Porque continua vivo, perto de nós.
Já estou perto dos cinquenta!
Quanto mais ainda terei de viver
Para deixar de ouvir esta amordaçada voz?
Coimbra, 21 Março de 2005
Vimarakof
(baseado no poema “Nambuangongo meu amor” de Manuel Alegre)