Escrevo numa noite quente

Escrevo numa noite quente

Em que um suão vago e lento

Na pele, nas árvores, mal se sente

Escrevo o Alentejo e o seu desalento…

As ruas desertas onde só as pedras vivem

À luz suave e triste do luar

Pudesse eu escrever tudo isto

Todos os tons que da lua se difundem

Todos estes cheiros a pairar…

Todo este ar quase sinistro

Que a noite toma devagar

Depois do crepúsculo…

E pudesse eu escrever o momento

Em que o sol num acto quase malévolo

Lancinante e lento se despede do firmamento

Deitando-se no horizonte para se perder

Corando o céu, fazendo as arder nuvens, de prazer

Pudesse eu dizer-te o cheiro da terra na primeira chuva

Ou escrever o verde a rasgar a terra turva

Pudesse eu mostrar-te as manhas

Ou à noite, no lago, o cantar das rãs

Pudesse eu escrever-te sob este luar

O olhar brilhante, os cabelos a voar…

Pudesse eu dizer-te, pudessem as palavras dizer

O olhar dum velho sentado de serão à porta

Ou a beleza crua desta arvore morta

Pudesse eu dizer tudo

E cantar-te ao ouvido o mundo…

E talvez mesmo que só por um segundo

Te dissesse algo de belo, grave, e profundo

Tiago Marcos

chomanno
Enviado por chomanno em 24/10/2006
Código do texto: T271941