Escrevo numa noite quente
Escrevo numa noite quente
Em que um suão vago e lento
Na pele, nas árvores, mal se sente
Escrevo o Alentejo e o seu desalento…
As ruas desertas onde só as pedras vivem
À luz suave e triste do luar
Pudesse eu escrever tudo isto
Todos os tons que da lua se difundem
Todos estes cheiros a pairar…
Todo este ar quase sinistro
Que a noite toma devagar
Depois do crepúsculo…
E pudesse eu escrever o momento
Em que o sol num acto quase malévolo
Lancinante e lento se despede do firmamento
Deitando-se no horizonte para se perder
Corando o céu, fazendo as arder nuvens, de prazer
Pudesse eu dizer-te o cheiro da terra na primeira chuva
Ou escrever o verde a rasgar a terra turva
Pudesse eu mostrar-te as manhas
Ou à noite, no lago, o cantar das rãs
Pudesse eu escrever-te sob este luar
O olhar brilhante, os cabelos a voar…
Pudesse eu dizer-te, pudessem as palavras dizer
O olhar dum velho sentado de serão à porta
Ou a beleza crua desta arvore morta
Pudesse eu dizer tudo
E cantar-te ao ouvido o mundo…
E talvez mesmo que só por um segundo
Te dissesse algo de belo, grave, e profundo
Tiago Marcos