Tenho hoje a plena consciência da morte

Tenho hoje a plena consciência da morte

Do passar galopante e frio do tempo

E quase ouço o bater do coração como o de um bomba

Sempre mais perto do fim

E dói, não a morte ou a sua vinda…

Quando me chegarem os dias ao fim nada serei

Nada haverá a sentir…

O que dói é este ser efémero e passageiro

Demasiado inconstante, dói a degradação de mim

A decadência constante do que sou

E dói não poder voltar a sê-lo

Custa-me saber que cada ideia só é original uma vez

Custa-me pensar que tudo é no fundo como um pensamento vago

E invade-me por isso a saudade velha da inconsciência

De quando os verões não sabiam que iam morrer

Em Outonos frios e nus, que saudade…

Então lembro-me como me sentia a afogar-me no selvagem dos teus olhos,

A vibrar na voz de alguém que se montava num poema e voava

Lembro os teus risos, tão ingénuos como eu fui…

Julguei-os eternos

E eram tão ternos esses sorrisos, ao lembrar-me deles lembro a cidade

Onde vagueavam soltos e dispersos, as ruas velhas e de pedra…

E sempre aquela escola amarela e grande

E as guitarras a pulsarem no pátio através da luz amarelada do entardecer,

O sair á pressa para o autocarro

E tu que em vez de responsabilidades me pedias sorrisos…

Lembro-me de olhar a planície e inspirar o ar fresco e livre dum Alentejo a adormecer

Lembro-me de ter ideias sonhos crenças loucuras…

Agora pedes-me responsabilidades, e eu sei, fazem-me falta…

É assim quando se cai no concreto absurdo da vida…

E é assim que absurda a vida se vai, imparável

Inconstante, como agua entre os dedos de uma mão

Efémera como o sorriso que tiveste um dia…

Tiago Marcos

chomanno
Enviado por chomanno em 24/10/2006
Código do texto: T271949