O Esparrame das Águas

A água rasga a terra

Penetrando nas frestas e encerra

O sonho, a praça, a ilusão

E destrói o trilhar, o caminho

Do homem e seu ganha pão

Carrega como lava que queima

A construção recém parida

(tijolo a tijolo criada)

A cama dos mil devaneios

(onde o amor fazia morada)

E sobe água, rente à gente

Que luta não só pela enxada

Pelo cão, armário ou pousada

Não só por foto ou comida:

É gente gritando por Vida

E leva homem, velho, criança

Todos entram na balança

Sem qualquer discriminação.

A Morte chegou mais cedo

Suspirando o terror na razão

Choram mãe, avô e pai

Chora a menina perdida

A água consigo carrega

Toda sorte de paz ou trégua

Da gente já tão sofrida

E tão cansada de guerra

Os olhos de quem só vê

E não vive drama alheio

Enchem-se da outra água

Aquela que da compaixão veio

A ajuda vem de quatro cantos

Um pouco que às vezes é tanto

Trazendo nas palmas a solidariedade

Para quem hoje só restou saudade

E debaixo da lama fria e escura

Formada por morte e dor

Renasça talvez a esperança:

A última e breve flor.