PESADELO AMERICANO
Pelos idos de 32
Quando o sol queimou o sertão
Meu pai inda garoto
Pôs o pé no estradão
Comia o que caçava
Com rapadura e requeijão
Quando chegou no lugar
Onde se ouve o trovão
Onde se vê relampejar
Não por pura enganação
Pois quando isso acontece
Sempre a chuva vem ao chão
Assentou sua barraca e disse
Daqui não saio mais não.
Ele teve o cuidado
De passar para os filhos
Essa predisposição.
Pois assim aconteceu.
Quando senti o quenturão
Dessa vez não foi do sol
Mas de um tal plano verão,
Fiz então como meu pai
Movido pelo mesmo afã
Saí das terra do sul
Às margens do Rio Pampã
E cheguei nas bandas do norte
Lá nas terra do Tio Sam.
Tão logo ali cheguei
Começou a decepção
Quanta gente encontrei
Em péssima situação
Sem trabalho
Sem esperança
No bolso nem um tostão.
Contrariando o que lá dizem
Do povo da nossa nação
Gente boa encontrei
Disso eu não esqueço não
Me estenderam corpo e alma
Ao invés de me estenderem
Apenas a palma da mão.
Conhecedores que eram
De toda a região
Chegaram um dia
Me trazendo
Valiosa informação
Me disseram com alegria
Apesar da gozação:
Te prepara estrangeiro
É melhor virar Sansão
Começou em Nova Iorque
Uma grande demolição
Não sei se você agüenta
Pode ser sua salvação.
Fui correndo procurar
O indicado patrão
Tratei de saber o nome
Para uma boa iniciação
O homem era português
Conhecido por Manelão
Procurei-lhe por trabalho
Demonstrando disposição
A resposta demorada
Me causava apreensão:
Precisando de gente estou
Mas não sei se tu güentas não
É serviço pra cabra macho
Acostumado a ser peão
Tem que ter o corpo dormente
E não ter amor pela mão
Não me agradava aquele olhar
Nem a tal observação
Tratei de por panos quentes
E melhorar a impressão
Postei-me na sua frente
Como soldado de prontidão
Respondi não há problema
Nem porque a preocupação
Se ao me olhar não distingues
Vistosa musculação
É que sou forte por dentro
Justo pra enganar ladrão
Que avançando contra mim
Para tirar-me da boca o pão
Só depois fica sabendo
O peso do meu surdão
E tem mais seu Manuel
Deixa agora eu fazer
A minha explanação:
Sou de um país onde ninguém
Pode dizer não sou peão
A não ser aquela malta
Lá do primeiro escalão
E também os seus cupinchas
Filhos da corrupção.
Olhou-me de cima a baixo
E fingiu acreditar
Naquela falação
Disse vamos sair agora
Sobe logo no caminhão.
Quando cheguei ao local
Até senti emoção
Era o Madison Square Garden
Uma bela construção
Que eu nunca pensei conhecer
Inda mais tombá-la ao chão.
Feita com tijolo dobrado
Amarrada com vergalhão
Pra sustentar o repuxo
Da grande multidão
Quando o famoso ginásio
Abrigava um grande show
Ou grande competição
Alisei a sua parede
Como se alisa o garanhão
Te segura companheiro
Não me darás reprovação.
Todos se preparavam
Com muita concentração
Parecia estar tudo certo
Menos para o seu Manelão
Que não conseguia encontrar
Marreta menor que o peão.
Caça aqui, caça acolá
Abre caixa abre caixão
Finalmente ele encontrou
Meu bendito ganha pão
Veio me entregar dizendo
Por enquanto usa isto
Só achei a imitação
Acreditem companheiros
Marreta maior que aquela
Nunca vi no meu sertão
Me veio então a lembrança
Que triste recordação
Duma conversa quer tive
Certa vez com uma tal Tião:
Vá rapaz é tudo fácil
Em nada se põe a mão
Computador é que faz tudo
A gente só presta atenção
No máximo se usa um dedo
Para apertar um botão.
Entre uma lembrança e outra
E sem mais amolação
Chegara a hora de assumir
A minha nova profissão.
Hoje é teu primeiro dia
Veio dizer-me o patrão
Não trabalhe a morrer
E proteja a tua mão
É trabalho pra muito tempo
Tem que estar em condição
Mantenha o corpo firme
Preste muita atenção
Cuidado com os companheiros
Evite uma distensão.
Demonstrei serenidade
Diante da situação
Dei uma esticada no corpo
Ao estilo de peão
Fiz estalar o dedos
Dei uma cuspida na mão
Brandi a marreta no ar
E a descambei com precisão
Na primeira marretada
Muita coisa foi ao chão
Não foi pó
Não foi madeira
Não foi tijolo
Não foi torrão
De um lado caiu a marreta
E do outro caiu o peão
Ainda estava atordoado
E deitado no chão
De pé na minha frente
Me olhava seu Manelão
Balançava a cabeça
Como quem dizia sim
Como quem dizia não
Naquela hora percebi
O seu grau de compreensão
Esboçou um sorriso e disse
Levanta logo peão
O sol já vai alto
E assim deitado
Não se faz demolição
Recomecei menos afoito
E com mais atenção.
Lembrei da mulher e filhos
Pus a mão no coração
O som das suas batidas
E o da demolição
Em meus ouvidos
Viraram canção.