VISCERAL

Para o poema UM OLHAR, de Manoel de Barros

VISCERAL

Se a gente começar a despraticar as querências só de matéria, matéria, matéria;

essas coisas de pegar e gostar só até daqui a pouco

e der princípio a umas querências de análise contemplativa,

Se der um descaso para o desamor,

Largar mão dos desajustes sem provisão,

deixando eles no oposto,

o avesso da gente fica até parecendo aquelas emendas

que nem parece que foram feitas

de tão enfeitado que o olhar fica.

José Cláudio – Cacá

UM OLHAR

Manoel de Barros

“Eu tive uma namorada que via errado. O que ela

via não era uma garça na beira do rio. O que ela

via era uma rio na beira de uma garça. Ela despraticava

as normas. Dizia que seu avesso era mais visível

do que um poste. Com ela as coisas tinham que mudar

de comportamento. Aliás, a moça me contou uma vez

que tinha encontros diários com as suas contradições.

Acho que essa frequência nos desencontros ajudava

seu ver oblíquo. Falou por acréscimo que ela

não comtemplava as paisagens. Que eram as paisagens

que a contemplavam. Chegou de ir no oculista. Não

era um defeito físico falou o diagnóstico. Induziu

que poderia ser uma disfunção da alma. Mas ela

falou que a ciência não tem lógica. Porque viver

não tem lógica – como diria a nossa Lispector.

Veja isto: Rimbaud botou a Beleza nos joelhos e

viu que a beleza é amarga. Tem lógica? Também ela

quis trocar por duas andorinhas os urubus que

avoavam no Ocaso de seu avô. O Ocaso de seu avô

tinha virado uma praga de urubu. Ela queria trocar

porque as andorinhas eram amoráveis e os urubus

eram carniceiros. Ela não tinha certeza se essa

troca podia ser feita. O pai falou que verbalmente

podia. Que era só despraticar as normas. Achei certo.”

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 03/04/2011
Código do texto: T2886767
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