Elegia II

A Oliverio Girondo

Amargo,

Meu amor...

Amar

À sombra

De teu olhar!

Passear tuas vozes,

Verbalizar tuas vidas

E ir ao teu encontro

Como a luz

E as trevas.

Amargo,

Meu amor...

E menos

De aço e fibra;

E menos

De terra e cal;

E menos

De folha e mineral!

Cansei

De tentar,

Inconcebível,

Me achar...

Cansei de Ser

Também esquina

De outros beijos.

Sereia,

Meu amor,

Sereia!

Cansado

De ser areia,

Tornei-me sol.

Cansado,

Meu amor,

Sereia!

Profundo mar

De meu abismo...

Sereia!

Cansei,

Sereia,

De tentar

Maquilar

Essa real

Idade

Que me as-

Sombra,

Que me soma

A outros extremos...

Cansado,

Meu amor,

Cansado

De Ser,

Cansado

De ser areia,

De ser pó

Entre teus

Livros,

Entre teus

Livres

Anseios!

Eu sei,

Sereia,

Que teu brilho

Que me espelha,

Se desfaz

Como a areia.

Teu brilho,

(Louco brilho!)

Também é

Brilho

De fogo

E luz fraterna.

Teus passos

Também são

Passos

De outros

Passos.

Tua pele branca

Agora é sombra

Onde era luz.

Amargo,

Meu amor...

Amar!

É pretérito,

Esse amar!

Amar

Amargo...

Amargo,

Meu amor!

Quando fostes

Nuvem;

Quando fostes

Canção;

Quando fostes

Alegria;

Quando fostes

Euforia ou

Perfeição,

Eu era

Teu (verso)

Inverso!

Amargo,

Meu amor

Amar!

E quando

Caminhamos

Na escuridão

De outros

Pensares,

O Dia desdobrou

Sobre nós

(melancólico)

Todos os teus

Abraços!

E quando

Me roubaste

O Coração,

Eu era

Fruto

Madeira

Ferro

Duro.

Depois

A sombra

(branca)

Dominou-me

E eu,

Como um deserto,

Necessitava

De tuas águas...

Mesmo amargas!

Amargo,

Meu amor

Amar!

Amargo,

Meu amor –

Chorar!

Amargo,

Meu amor –

Sem lar!

Amargo,

Meu amor –

Estar!

Amargo,

Meu amor,

Amargo

Meu amor,

Meu amor

Amargo

Amar!

Não!

É ser amor

Em amargas

Solidões!

É ser dor

Em diversos

Corações!

Mas, cansado

De estar

Cansado

De estar

Cansado

De estar,

Reinvento

Outro

Intento

De Mar

E de Rio.

Amargo

É ser doce

Quando se

É contemplado!

Amargo

É ser amargo

Quando se é

Deportado

Para outro

País-coração-

Solidão!

É entender

Que o Outro

(armadilha de si)

Nos prende

Em seus laços.

Ser amargo

É dispor de

Todas as armas

Desnecessárias –

Inválidas!

Estou cansado!

Cansado

De ser esquina;

Fonte de outros

Abraços!

III

Eu sei que ali

Se arrasta um

Homem pela rua...

Eu sei que ali

Dois seres se arrastam

Pela rua...

Cansado,

Alimento-me das sombras

E a solidão da solidão

Do homem que me atinge,

Me funde em um...

Cansado,

E, sobretudo,

Da não presença tua,

É-me permitido lembrar,

Embrenhar-me nas fendas

Dos dias claros...

Um homem vai pela rua...

Uma mulher vai pela rua...

A Palavra vai pela rua...

A Palavra já se é!

Sua brancura inundou as imagens

E os relógios acordam seus instantes!

A Palavra veio e se alojou na escuridão!

E o cansaço de ser Palavra;

E o cansaço de ser Metáfora;

E o cansaço de ser Enigma

Dissipou-se no ar!

A Palavra é viva,

Seus toques e sentidos

Passeiam-me as sombras minhas!

Seu passear me instiga o verso

E na profunda liturgia de suas horas,

Meu corpo navega em águas claras!

Ó, solidão!

Que ingrata euforia se prende

Em teu olhar?

Amargo,

Meu amor

Amar!

Teu olhar

É olhar.

Os livros

Na estante,

Serenos,

Fingem

Tua ausência.

Do que precisa;

Do que se precisa...

Do homem que vai pela rua,

Guardo a lembrança:

Era um pássaro preso;

Uma gaiola de nada e

Uma saudade amarga no coração!

Em meu peito a faca se encrava!

É luz no amanhã!

Há apenas o gesto que a memória

Fixou em seus labirintos!

Teus labirintos me iluminam

A carne vã!

Em teus labirintos encontrei

As cores de todas as horas!

Teus olhos são labirintos!

Tua boca é labirinto de cisma,

De solidão!

Nos teus labirintos me achei

E longe deles jamais me encontrarei!

Suas pedras são mais que pedras;

Seus muros são mais que muros!

E encontrei-me só, na sombra

De uma árvore perdida – vencida!

IV

O dia já morreu

Entre teus passos

E uma boca solícita

Arrebentou tuas algemas –

Liberdade!

Mas tuas prisões,

Longe dos precipícios,

Abala a carne,

A louca carne

Que arde em teu olhar,

Amar!

Mas, longe dos ventos

E das sombras,

Pinto a luz no teu ser

E aguço meu pensar –

Sombra.

Eu sei, mas não devia...

Da ínfima luz do teu olhar

Sangram as ruas,

Tuas veias em extinção...

V

Por entre nuvens

E sombras

Vaguei;

Mas somente

No teu retorno

Me encontrei.

Era noite...

Na parede,

O relógio

Como uma vida

Me perseguia.

Por entre nuvens,

Por entre ventos;

Por entre chuvas

Foram-se os desejos!

No abismo de mim,

Apenas a lembrança

Da Palavra

Que foi palavra

E soma.

Quando chega a manhã,

Sou água nos telhados.

Lacrimejam-me os olhos

E a alma me pede alegria!

Se no teu olhar de palavra

Venço como nuvem,

No outro me perco

E encerro-me –

Todo dia.

VI

Sou manhã

E sou sombra

Porque o Outro

Também me aguarda.

Mas também

Sou de outras eras:

Água represada

Noutros olhos;

Luz jogada

De outras lâmpadas.

Meu símbolo

É ser dia

E quando

À noite

Tu me vens,

Então reajo

Pelas águas

De mim.

Enfim,

Sou formação

E ilusão;

Sou Onda

E Calmaria

Ao pôr do sol.

Mas eu sinto a manhã...

A manhã com seus fantasmas,

Com seus tédios,

Com seus sacrifícios de manhã!

O sol pairou por sobre

Várias cabeças

E a luz dissipou-se

Sobre o vácuo de nosso ser –

Verter!

Mas sou poeta,

Assassino de outras

Palavras;

Amante de outros Versos

E Mudo,

E Cego,

E Manco,

E Preso de mim –

Em mim.

Quando sou prisão;

Quando sou o que não sou,

Então reajo – Servidão!

Sou poeta...

E o Outro em mim,

Como carne

Em meus ossos,

Me acerta!

O Outro,

Que encontro

No espelho,

É também o poeta

Que morre todos

Os dias...

Sou poeta,

E o Outro em mim,

Como fuga de minha fuga,

Me conserva!

O Outro me vivifica

A Ânsia de viver.

O Outro,

(Sempre o Outro)

Nunca o mesmo,

É o Consolo.

Eu sei, mas não devia

Que o Outro,

O Outro é minha vida!

VII

Quando a manhã

Recolhe tua sombra,

Eu-Poeta,

(Assassino de meus versos),

Deparo-me

Com o que não sou;

Com o que a sombra me ilude

E me guia em servidão...

Quando a manhã

Não for manhã,

E teus olhos

Não for mais teus,

Eu-Sombra

Resgato-me;

Ato-me ao Ser

Do que não foi.

Eu Sombra –

Cálice de espantos –

Sorvo-me,

Esgoto-me...

Plenitude!

E acordado

Como espelho,

Reflito-me:

Meu reflexo

É o in-verso

Do homem

Que a si plantou;

Que a si plantou

A Ausência;

O fim febril

De todos os dias

Negros

E sem espelhos.

O homem

Que a si plantou

Em chama

Sua semente,

Espelha sua vida

Noutras vidas!

Mário Gerson
Enviado por Mário Gerson em 01/06/2011
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