Anti-poesia

"... mas pode ficar tranqüila, minha poesia

pois nós voltaremos numa estrela-guia

num clarão de lua quando serenar

ou talvez até quem sabe

nós só voltaremos no cavalo baio

- o alazão da noite -

cujo nome é raio, raio de luar."

(João de Aquino/Paulo Cezar Pinheiro)

Restituo-me o que jamais possuí,

tomo para mim o que é meu sem ter sido,

recolho as palavras que um dia escrevi,

apedrejo a última letra, quebrando o vidro.

Furo a poesia onde corre meu sangue,

corto o pulso no ponto que inicia;

risco a vírgula a que não se tenha estanque,

deixo a reticência no contínuo que principia...

Aqui afundo meu passo onde me reconheço,

nos limites das fronteiras de todas as direções

e meu pedaço de terra é a letra do meu começo,

a sílaba do meu pantanal interno de intenções.

Deixo a rima onde eu mesma me enfrento

pela minha luta consoante e onde me esgarço,

nomeio de herança um castelo de vento

e um jardim de ilusão, vogal e sargaço.

Rio de mim mesma e da minha indolência,

na frase selvagem e completa de falha

que não serve à verve, nem à ciência

e é só uma cilada de lua e encruzilhada.